São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 2005

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TENDÊNCIA/DEBATES

Litoral norte pode morrer na praia

ANTÔNIO MARCOS CAPOBIANCO


Nas poucas praias onde há estação de tratamento de esgoto, ele é inadequado e não há equacionamento da destinação de lodos
A importância econômica para o país da região da Grande São Paulo e da área maior que com ela forma o dito complexo metropolitano expandido revela-se na dimensão do PIB deste, que equivale a mais de um quarto (27,7%) do PIB nacional. Nesse sentido, sendo o litoral norte paulista destino especial de descanso e lazer dos que fazem a pujança desse território, fica clara a sua importância estratégica para o país. E, sendo fundamento de sua vocação turística, o patrimônio natural é essencial para o seu desenvolvimento.
Conclui-se daí que a responsabilidade do poder público perante esse patrimônio é até questão de segurança nacional. E essa responsabilidade cresceu com a legislação de proteção ambiental. É "patrimônio nacional" triplamente "protegido": serra do Mar/mata atlântica/zona costeira (Constituição Federal). Criou-se o parque estadual e diversas unidades de conservação na região. Bioma extraordinário, foi catalogado (mata atlântica) como reserva da biosfera pela Unesco e como um dos 34 "hot spots" (pelo menos 1.500 espécies vegetais endêmicas e mais de 75% da cobertura original dizimada) do planeta.
Entretanto cresce perigosamente o risco de ruína ambiental e estagnação econômica da região, por conta especialmente de três fatores: a ineficiente fiscalização para prevenir a ocupação desordenada; a inadequação e insuficiência do tratamento do esgoto; e a inadequação da destinação do lixo. Como no litoral norte os corpos d'água são pouco extensos, não se pode contar com sua capacidade de estabilização de despejos orgânicos de esgotos e autodepuração. Isto é, o fim da linha é logo ali, o "leitmotiv" preponderante da busca pelo litoral: o mar e a praia.
Então, o tratamento do esgoto aí carece de cuidado especial, mas tem sido inepto. Nas poucas praias onde há estação de tratamento, este é inadequado e não há equacionamento da destinação de lodos. Comete-se o absurdo de construir poços de visita (inspeção) em plena praia, e nos picos do verão falhas no sistema já fizeram jorrar esgoto bruto na areia. Irônico, pois o afastamento do esgoto é virado de cabeça para baixo: depois de "reunido", ele é levado para o local de maior concentração humana.
Mas, se esses problemas fossem sanados, ainda restaria outro nunca considerado nos planos e projetos: os subprodutos químicos da desinfecção, o clorofórmio e outros trialometanos (carcinogênicos) que ficam na água tratada para consumo -e, no caso da desinfecção do esgoto, ficam nos corpos d'água em concentrações muito maiores. E há também a agravante dos efluentes com metais pesados e micropoluentes orgânicos sintéticos, extremamente nocivos à saúde.
Por todas essas considerações, verifica-se que a solução para o esgoto dos bairros dos municípios do litoral norte de São Paulo deve incluir emissários submarinos (de extensão mínima de 5.000 m) que afastem efetivamente o esgoto da costa (pré-condicionado ou, seria ideal, previamente tratado). As considerações em torno da relação custo/ benefício não podem perder de vista o fato de que o relativo encarecimento das obras será justificado pelos ganhos com saúde pública e com a salvação do turismo, motor do desenvolvimento da região. Do contrário, no futuro teremos enseadas de esgoto e clorofórmio, balneabilidade em queda e saúde pública periclitante.
Já o problema do lixo, que se arrasta há décadas, pode agora encontrar a melhor solução. Os quatro prefeitos ganharão um lugar na história da região se conseguirem se consorciar e implantar o aterro sanitário regional. Não há outra saída para os atuais depósitos de lixo (lixões) do litoral norte, há muito considerados "inadequados" pela Cetesb. O de São Sebastião, depois de interditado em fevereiro, foi reaberto por força de liminar, e em 3 de junho será interditado novamente. Ilhabela já está sendo obrigada a exportar seu lixo para aterro no Vale do Paraíba, e os demais municípios sem a solução integrada regional também terão que o fazer.
Deixado à matroca, sem o controle severo da ocupação das áreas impróprias, sem uma solução avançada para o lixo e sem sistemas adequados de tratamento de esgoto, o litoral norte pode morrer na praia.
O Ministério das Cidades poderia assumir responsabilidade destacada, mobilizando recursos e articulando os municípios. Uma parceria entre os municípios, de imediato, poderia evoluir -com a aprovação da Lei dos Consórcios Públicos- para a moderna forma de cooperação federativa, o consórcio público (com personalidade jurídica de direito público), integrando também Estado e União, e com maior agilidade, inclusive para carrear recursos.
Por outro lado, desde já os municípios -que têm a titularidade dos serviços de água e esgoto- devem cobrar qualidade e investimentos da concessionária (Sabesp), que prometeu um programa sério de saneamento e fez o mínimo, escorada no Plano Comunitário de Melhorias, segundo o qual o município assume a metade do custo da obra e o cidadão arca com cerca de R$ 3.000, bancando a infra-estrutura para a concessionária. É preciso saber também como implantou redes de água e de esgoto em alguns bairros, sem ter antes legalizado o seu funcionamento, deixando a infra-estrutura, há anos, inútil.
Espera-se que as soluções dêem conta do ritmo e da magnitude do problema, inclusive prevendo caixas de inspeção fora da areia da praia e emissários submarinos.
Antônio Marcos Capobianco, sociólogo e ambientalista, foi vice-presidente do Comitê das Bacias Hidrográficas do Litoral Norte de São paulo (CBH/LN) e da Federação Pró-Costa Atlântica.

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