|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
SIM
A constitucionalidade da proteção à saúde
LUÍS RENATO VEDOVATO
O DEBATE sobre a constitucionalidade do recém-aprovado
PL 577/08 enfrenta fundamentalmente dois desafios que podem ser resumidos nos seguintes tópicos: a possibilidade de haver normas que limitam a assim chamada "liberdade" de fumar e a possibilidade
de essa limitação ser implantada por
norma estadual.
Com relação ao primeiro, é necessário salientar que nenhum direito é
absoluto. Desse modo, toda liberdade
pode ser alvo de limitação. Daí se diz
que a liberdade de um vai até o início
da liberdade do próximo. A "liberdade" de fumar -entre aspas, por ser incompatível com um produto que causa dependência- se contrapõe ao direito à saúde, ao direito à integridade
física e à vida daqueles que não fumam, mas que, por vários motivos,
estão no mesmo recinto em que se
encontram os fumantes.
É caso de colisão do direito do fumante e do não fumante. Assim, pergunta-se: é possível limitar a liberdade do primeiro? A lei aprovada pela
Assembleia Legislativa de São Paulo
encampa essa possibilidade, restringindo o uso do fumo.
Como o caso envolve limitação de
direitos, há que identificar se a limitação do fumo em locais fechados coletivos, públicos ou privados, é ou não
constitucional. Para tanto, devem ser
feitas as seguintes perguntas: a limitação alcança o objetivo desejado? É o
único caminho? É proporcional?
O objetivo da lei aprovada é diminuir a incidência de doenças pelo tabaco em fumantes e não fumantes.
Então, é possível responder às questões acima afirmando que o objetivo é
alcançado.
No entanto, os contrários à lei podem dizer que a distribuição de máscaras contra gases poluentes a todos
os não fumantes seria um outro caminho (as soluções de ventilação ou de
isolamento não são eficazes, principalmente quando se analisa o trabalho dos garçons). Essa alternativa, porém, não seria proporcional, pois demandaria um dispêndio muito maior
apenas para garantir que parte da população pudesse fumar. Tal fato leva à
conclusão de que a limitação legal é a
saída proporcional para o dilema,
sendo possível a restrição do fumo.
Parte-se para o segundo desafio. O
Brasil, como se sabe, é uma Federação. Por conta disso, há divisão das
competências entre os seus entes.
Competências materiais, que se referem ao que cada um deve fazer, e legislativas, que definem sobre o que
cada um deve legislar. O artigo 24 da
Constituição Federal define a chamada competência legislativa concorrente própria, que determina que a
União faz as normas gerais, e os Estados, as suplementares.
No entanto, as áreas livres de tabaco, por envolverem questões de saúde
e meio ambiente, identificadas nas
competências materiais comuns (artigos 23, 196 e 225, CF) e nas legislativas concorrentes (artigo 24, CF), fazem parte da chamada competência
legislativa concorrente imprópria
(Araújo e Nunes Júnior). Essa competência decorre do princípio da legalidade administrativa: o Estado só pode fazer o que for definido em lei.
O Estado tem a competência, e não
pode deixar de exercê-la, sob pena de
omissão. Assim agiu o Legislativo
paulista. Explicando melhor, o Estado membro da Federação tem, por
determinação constitucional, a competência para proteger a saúde e o
meio ambiente -e não pode deixar de
fazê-lo. Vários doutrinadores defendem que tal competência se caracteriza pela inexistência de limites a cada um dos entes da Federação, isto é,
cada um deles pode legislar de maneira integral sobre as mesmas matérias.
Dessa maneira, resolvida a colisão
de princípios, deve ser aplicada a norma que protege o resultado da ponderação, devendo ser enfatizados o meio
ambiente e a saúde. Em outras palavras, se a Constituição determina que
o Estado deve agir, resta-lhe apenas
criar lei para tanto. Tal lei, como é o
caso da lei paulista, eventualmente,
poderá ser mais abrangente para proteger a saúde e o meio ambiente. Daí,
totalmente constitucional a lei aprovada no último dia 7 de abril.
LUÍS RENATO VEDOVATO, advogado, mestre e doutorando em direito internacional pela USP, é consultor da
Aliança de Controle do Tabagismo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira: Ainda temos Constituição Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|