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CARLOS HEITOR CONY
A pobreza da abundância
RIO DE JANEIRO - Crítico inglês
de música pop, escrevendo para jornais não necessariamente ligados à
temática que escolheu, Simon Reynolds, 45 anos, autor de "Bring the
noise" (Faber&Faber), reclama não
da diversidade, mas da redundância
e banalidade que penetram em todas as áreas do pensamento e da
criação artística.
"Há opiniões demais sobre música e tudo o mais". No caso de sua especialidade, ele acrescenta: "Toneladas de jornalistas competindo para tecer opiniões (...) um universo
incestuoso, comentários de leitores
na seção de cartas, respostas enfurecidas dos artistas criticados".
Mal comparando, a sociedade é
invadida diariamente por um tsunami de notícias e comentários:
quando vence ou é vencida por uma
onda mais forte e letal, logo surge
outra, a morte da menina de seis
anos, o austríaco tarado que estuprava a filha, o craque de futebol
metido com travestis num motel da
Barra, a crise na candidatura de um
candidato à Presidência dos Estados Unidos, a gradual e obsessiva
caminhada de Lula para um terceiro mandato -tudo isso se amontoa
nos jornais, revistas, rádios, TVs,
internet, palavras, palavras, palavras.
Lembro um professor que decidiu ler apenas dicionários: um bom
dicionário contém todas, ou quase
todas, as palavras, e com elas se podem fazer todas as combinações,
até mesmo de conceitos e de coisas
inexistentes.
Dirão: mas o sentido, o conteúdo
de tantas palavras? A resposta obriga ao uso de outras tantas palavras.
Que sentido teve o assassinato da
menina de seis anos, do pai que violentou as filhas, do craque escolado
que não distinguiu um homem de
uma mulher?
E aí estou, vítima e cúmplice da
pobreza da abundância, colaborando para aquilo que são Paulo chamou de "confusão de nós mesmos".
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