São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

A pobreza da abundância

RIO DE JANEIRO - Crítico inglês de música pop, escrevendo para jornais não necessariamente ligados à temática que escolheu, Simon Reynolds, 45 anos, autor de "Bring the noise" (Faber&Faber), reclama não da diversidade, mas da redundância e banalidade que penetram em todas as áreas do pensamento e da criação artística.
"Há opiniões demais sobre música e tudo o mais". No caso de sua especialidade, ele acrescenta: "Toneladas de jornalistas competindo para tecer opiniões (...) um universo incestuoso, comentários de leitores na seção de cartas, respostas enfurecidas dos artistas criticados".
Mal comparando, a sociedade é invadida diariamente por um tsunami de notícias e comentários: quando vence ou é vencida por uma onda mais forte e letal, logo surge outra, a morte da menina de seis anos, o austríaco tarado que estuprava a filha, o craque de futebol metido com travestis num motel da Barra, a crise na candidatura de um candidato à Presidência dos Estados Unidos, a gradual e obsessiva caminhada de Lula para um terceiro mandato -tudo isso se amontoa nos jornais, revistas, rádios, TVs, internet, palavras, palavras, palavras.
Lembro um professor que decidiu ler apenas dicionários: um bom dicionário contém todas, ou quase todas, as palavras, e com elas se podem fazer todas as combinações, até mesmo de conceitos e de coisas inexistentes.
Dirão: mas o sentido, o conteúdo de tantas palavras? A resposta obriga ao uso de outras tantas palavras. Que sentido teve o assassinato da menina de seis anos, do pai que violentou as filhas, do craque escolado que não distinguiu um homem de uma mulher?
E aí estou, vítima e cúmplice da pobreza da abundância, colaborando para aquilo que são Paulo chamou de "confusão de nós mesmos".


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