São Paulo, domingo, 11 de junho de 2000


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'SOFT', MAS NADA 'LIGHT'

Talvez o cenário de "soft landing" (pouso suave) da economia norte-americana esteja ganhando mais probabilidade. Trata-se de uma boa notícia, sobretudo se forem levados em conta os temores relativamente generalizados que até havia pouco frequentavam os círculos financeiros internacionais. Falava-se em crise sistêmica e até aventava-se a hipótese de um "crash" na Bolsa, que, como consequência, produziria uma recessão mundial.
A maior probabilidade de um ajuste lento e gradual da maior economia do planeta, no entanto, pode até mesmo trazer alívio, mas não garante a segurança de vôo das economias periféricas, como a do Brasil.
Primeiro, porque, ao mesmo tempo em que se desaquecem os EUA, sobem os juros na UE (União Européia). Mesmo estando também longe da recessão, o fato é que dois processos de desaquecimento nas maiores economias do mundo, num momento em que a Ásia, sobretudo o Japão, ainda não decolou, são fonte de preocupação mais que suficiente.
Em segundo lugar, é importante lembrar que todas as economias do mundo em desenvolvimento, afetadas pelas crises de 1994 (México), 1997 (Tailândia), 1998 (Rússia) e 1999 (Brasil), lograram recuperar-se até mais rápido do que o esperado. Mas nenhuma delas consegue sustentar-se em crescimento sem o apoio dos grandes mercados dos países desenvolvidos. E, em vários casos, como o do Brasil, o pior já passou, mas mal se conseguiu voltar aos níveis de produção e consumo de antes da crise.
De pouco adianta comemorar o risco menor de uma catástrofe financeira se, na prática, as condições de financiamento das economias periféricas continuam se deteriorando.
Essa dificuldade de financiamento não é apenas conjuntural. Há mais de cinco anos da crise mexicana, os países mais ricos nem deram um passo sequer para reformar o sistema de pagamentos e as instituições multilaterais de fomento ao desenvolvimento. Ao contrário, o que se vê com mais força têm sido iniciativas visando a limitar ainda mais o papel desses organismos, cuja credibilidade foi estruturalmente abalada por erros cometidos antes, durante e depois de cada crise dos últimos anos.
Se os pólos de crescimento mundial encontram-se em fase de desaquecimento e as condições de financiamento internacional não são animadoras, os horizontes no plano das relações comerciais tampouco trazem qualquer alívio.
O fracasso no lançamento de uma nova rodada de liberalização, que governos como o dos EUA atribuem à intransigência dos países mais pobres, tem sua origem principalmente nos impasses criados pelos países industrializados, ainda mais avessos a abrir seus mercados num contexto de baixo crescimento mundial.
O amadurecimento de pólos regionais de desenvolvimento talvez oferecesse uma compensação, ainda que parcial. Mas também nesse terreno as condições são precárias.
O Mercosul está congelado e mais retórico que nunca. A UE sofre o desgaste de ter uma moeda única que se desvalorizou tanto que, na prática, funciona como mais uma barreira a proteger a "fortaleza européia".
A idéia de um bloco hemisférico das Américas também perdeu viabilidade e, por mais estridentes que sejam os protestos de autoridades norte-americanas, jamais será viabilizada em meio a um processo de sucessão presidencial nos EUA.
Não é, portanto, casual que previsões de crescimento, de saldo comercial e de estabilidade política estejam sendo revistas para pior em vários países devedores, como o Brasil. A aterrissagem dos EUA talvez venha a ser "soft", mas a receita reservada aos mais pobres não será "light".


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