São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Por que rejeitar a Alca?
HELIO JAGUARIBE
Creio ter chegado o momento em que é necessário superar os emolientes diplomáticos e encarar, frontalmente, a questão: a Alca nos convém ou não? Creio, igualmente, que a resposta a essa questão é, inequivocamente, negativa. O projeto da Alca, na verdade, nos é extremamente desfavorável. É desfavorável porque seus aspectos mais negativos não serão jamais suprimidos pelos EUA, simplesmente porque eles constituem uma de suas principais motivações para esse projeto. Acrescente o fato de que as barreiras não-tarifárias do protecionismo americano resultam de leis do Congresso que, por sua vez, decorrem da pressão de poderosíssimos lobbies, que nenhum político americano, com expectativas de eleição ou reeleição, se atreve a enfrentar. A Alca foi concebida, precisamente, para gerar um regime assimétrico de relacionamento com a América Latina, destinado a compensar os déficits comerciais dos EUA com a Europa e a Ásia. Se a Alca se traduzisse num sistema favorável à América Latina, os EUA não teriam nenhum interesse em promovê-la. O segundo aspecto da questão, entretanto, tem sido completamente ignorado nas discussões a respeito da Alca. Consiste, simplesmente, no fato de que um dos objetivos principais dos EUA, com esse projeto, é o de eliminar o Mercosul e tudo o que esse sistema, atual e potencialmente, representa como instrumento de autonomização internacional de seus partícipes. Ao estabelecer a supressão de todas as tarifas, o projeto da Alca conduz, necessariamente, à supressão da "tarifa externa comum", que constitui um aspecto central do Mercosul. Este, sem tarifa externa comum, deixa de poder ser um mercado comum no sul do continente. Assim, independentemente de todos os demais aspectos negativos da Alca, o simples fato de esta, necessariamente, conduzir à eliminação do Mercosul, torna-a, para nós, inaceitável. Essa inaceitabilidade se torna particularmente manifesta no presente momento, quando a eleição de Kirchner, na Argentina, conduz aquele país a um máximo de aproximação com o nosso e torna extremamente positivas, a curto prazo, as perspectivas do Mercosul. Chegou a hora de o Brasil se dar conta de que tem de rejeitar a Alca, independentemente de utópicas perspectivas negociais. A questão atualmente em jogo não é a Alca. É o que fazer para minimizar os possíveis efeitos negativos de nossa necessária rejeição da Alca. A esse respeito, porém, já se sabe o que, no fundamental, é preciso fazer: reforçar o Mercosul, tornando-o um sistema irreversível e unindo seus partícipes na rejeição à Alca; completar o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina; e ampliar nossas relações comerciais com Europa, Rússia, China e África do Sul, sem prejuízo de um ativo e equilibrado intercâmbio com os EUA. Helio Jaguaribe, 80, sociólogo, é decano do Instituto de Estudos Políticos e Sociais, do Rio de Janeiro, e autor de, entre outras obras, "Brasil: Alternativas e Saídas" e "Um Estudo Crítico da História" (ambas pela editora Paz e Terra). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Alencar Burti: Desburocratizar é preciso Índice |
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