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São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 2003

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CLÓVIS ROSSI

A medalha e o complexo

LISBOA - O presidente português Jorge Sampaio acabara de pendurar no pescoço de seu colega Luiz Inácio Lula da Silva a medalha representativa do Grande Colar da Ordem da Liberdade, criada após a chamada "Revolução dos Cravos", que, em 1974, derrubou uma ditadura de 50 anos.
Condecoração parecida (mas no degrau abaixo, a Grã-Cruz) coube também à mulher do presidente, Marisa Letícia.
Lula fez o agradecimento de praxe, mas, ao final, exibindo a medalha para a nuvem de fotógrafos que acompanhava a cerimônia, pediu que publicassem a foto da medalha, e não a de "alguma gafe" que ele viesse a cometer.
Com perdão da psicologia de botequim, o pedido passou a nítida sensação de um complexo de inferioridade absurdamente descabido.
Lula é ele e sua história, assim resumida ontem por Jorge Sampaio, ao lhe dar as boas-vindas a Lisboa:
"Vossa Excelência teve a dura experiência da pobreza, conheceu a prisão, provou por mais de uma vez o sabor amargo da derrota, mas de todas as provações sempre emergiu mais forte e determinado no seu combate incessante por um Brasil mais justo, mais próspero e mais solidário".
Dois terços dos brasileiros compraram essa história no segundo turno da eleição presidencial.
Logo, não há razão para baixar a cabeça. Lula pode comer os "esses" no final de certas palavras, pode errar a concordância, pode até eventualmente beber a lavanda em vez de limpar os dedos com ela.
Nada disso o impede de, eventualmente, vir a ser um bom presidente.
Como, vendo a coisa pelo avesso, a sua história, louvada por Sampaio, não significa que será, necessariamente, um grande presidente.
Presidentes, bons ou ruins, se fazem no posto. Não há universidade para formá-los.
Complexo de inferioridade só se justificará se e quando o governo Lula trair princípios, promessas e esperanças. Essa é a única gafe que conta e contra a qual não há remédio.


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