São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Coerência: o pensar e o falar

É bom verificar que a atual campanha eleitoral está sendo marcada pelo debate em torno de uma das principais virtudes dos estadistas -a coerência.
Ser coerente é importante para qualquer um. A coerência é a irmã gêmea da confiança. Uma nasce da outra. A mulher e o marido esperam coerência recíproca, pois é nela que surge a necessária confiança. Os consumidores, da mesma forma, demandam coerência dos produtores, pois é isso que os leva a confiar nos bens e serviços que adquirem. Os eleitores, igualmente, precisam de coerência para confiar e votar nos candidatos.
A coerência é mais frequente entre as pessoas que meditam antes de agir. Ela se forma como fruto de análises cuidadosas das pessoas e dos fatos. Isso vale para o homem e a mulher, para consumidores e produtores e para eleitores e candidatos.
A incoerência, claro, é o contrário de tudo isso. As decisões dos incoerentes são tomadas de forma precipitada ou com base em interesses imediatos. Nada é mais devastador para a coerência quando candidatos se põem a pregar o contrário do que fizeram a vida inteira com o simples objetivo de ganhar a eleição.
Os eleitores não são tolos. No Brasil, esta não é a primeira experiência eleitoral do nosso povo. A maioria dos brasileiros apreendeu muito nas eleições passadas. O uso das pesquisas, do marketing e da propaganda consegue muita coisa, mas tem seus limites. Nenhum deles consegue transformar o incoerente em coerente para, num passe de mágica, transportar o eleitor da área da desconfiança para a área da confiança quando este vê na boca dos candidatos idéias opostas às que sempre defenderam.
Como podem os que enalteceram o calote nas dívidas interna e externa (através de uma aprovação plebiscitária) convencer os eleitores a aceitar o acordo firmado entre o Brasil e o FMI? É muita incoerência. Afinal, esse acordo está gerando mais dívidas, e o país está dizendo que vai honrá-las.
Esse é apenas um exemplo de incoerência, e deixa o eleitor aturdido e com o direito de perguntar: Os candidatos que viram a casaca com essa facilidade, afinal, mentiram no passado ou estão mentindo agora? Você compraria uma casa que foi condenada pelo corretor no passado e agora é por ele recomendada?
No caso do acordo com o FMI, os candidatos, depois de eleitos, não precisam aceitar os recursos aprovados. Se quiserem manter um mínimo de coerência, basta dizer aos brasileiros que, uma vez empossados, rejeitarão os US$ 24 bilhões que estão reservados para o seu primeiro ano de governo.
Caberá ao eleitor acreditar ou não nessa inusitada assertiva. Será que há algum governante, de carne e osso, que venha a rejeitar uma importância desse porte no meio da escassez de recursos que marca a vida do país?
Em suma, para quem valoriza a coerência, é aconselhável agir depois de pensar e sopesar antes de falar.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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