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AJUSTE COM INFLAÇÃO
Seria irônico, se não tivesse
um aspecto preocupante, a
constatação de que, para evitar um
descalabro maior na relação entre dívida pública e Produto Interno Bruto,
o governo vem contando com um
aliado importante: a inflação. Desde
janeiro de 2001, o efeito da subida de
preços no PIB contribuiu para que o
índice da dívida não disparasse ainda
mais. Vale lembrar que é o PIB nominal (sem descontar a inflação) o utilizado para aferir a relação entre endividamento público e renda nacional.
De dezembro de 2000 até julho de
2002, o PIB nominal cresceu 16%,
enquanto a renda real (descontada a
inflação), ficou praticamente estagnada -aumentou pouco mais de
1,5%. Com o PIB "inflado" pelo
acréscimo de preços, o resultado da
divisão entre o endividamento público e a renda do país fica menor do
que ficaria se fosse utilizado o indicador deflacionado do PIB.
A subida dos preços também provoca um alívio na execução orçamentária do governo, facilitando a obtenção de superávits primários. Enquanto as despesas do governo são
fixadas em reais no início do ano, as
receitas tributárias -taxas que incidem, por exemplo, sobre o preço de
venda de um produto- vão ficando
em regra mais robustas por conta da
inflação, ainda que moderada.
O duplo efeito dessa inflação é favorável, em primeira análise, aos objetivos imediatistas da política fiscal.
Mas pode ativar nas autoridades governamentais a antiga comichão de,
pela linha de menor resistência, aceitar cada vez mais inflação, em vez de
concentrar-se no ataque às causas do
desequilíbrio de preços.
Como acaba de ficar patente mais
uma vez, com a divulgação do IPCA
(índice de inflação do IBGE) de agosto, as pressões nos preços internos
advindas da valorização do dólar têm
sido o principal alimentador da inflação. A alta do dólar provoca um choque nos custos de setores importantes. Combater esse mal com a elevação dos juros tende a ser ineficiente
por dois motivos: a inflação não decorre de um surto da demanda interna; e, num contexto de secura do crédito externo, elevar os juros domésticos não proporciona entrada de divisas que compense os efeitos do encarecimento do crédito interno.
Uma estabilização mais sólida do
regime de preços internos será conquistada, portanto, com políticas
voltadas ao ajuste estrutural do balanço de pagamentos. É preciso induzir a convergência da economia
brasileira rumo a um modelo superavitário em turismo e em comércio,
no mínimo menos deficitário nos
fretes e menos dependente do capital
financeiro internacional.
Nas atuais circunstâncias, tolerar
uma inflação um pouco maior representa alívio não apenas para o governo, mas também para o nível da atividade econômica. Mas não se pode
aceitar que essa conveniência pontual se transforme, inercialmente,
em "solução". Significaria perder
uma oportunidade de interromper o
padrão brasileiro de sempre repassar
a conta maior pelos desajustes econômicos aos agentes mais desprotegidos, os mais pobres.
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