São Paulo, quarta-feira, 11 de setembro de 2002

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AJUSTE COM INFLAÇÃO

Seria irônico, se não tivesse um aspecto preocupante, a constatação de que, para evitar um descalabro maior na relação entre dívida pública e Produto Interno Bruto, o governo vem contando com um aliado importante: a inflação. Desde janeiro de 2001, o efeito da subida de preços no PIB contribuiu para que o índice da dívida não disparasse ainda mais. Vale lembrar que é o PIB nominal (sem descontar a inflação) o utilizado para aferir a relação entre endividamento público e renda nacional.
De dezembro de 2000 até julho de 2002, o PIB nominal cresceu 16%, enquanto a renda real (descontada a inflação), ficou praticamente estagnada -aumentou pouco mais de 1,5%. Com o PIB "inflado" pelo acréscimo de preços, o resultado da divisão entre o endividamento público e a renda do país fica menor do que ficaria se fosse utilizado o indicador deflacionado do PIB.
A subida dos preços também provoca um alívio na execução orçamentária do governo, facilitando a obtenção de superávits primários. Enquanto as despesas do governo são fixadas em reais no início do ano, as receitas tributárias -taxas que incidem, por exemplo, sobre o preço de venda de um produto- vão ficando em regra mais robustas por conta da inflação, ainda que moderada.
O duplo efeito dessa inflação é favorável, em primeira análise, aos objetivos imediatistas da política fiscal. Mas pode ativar nas autoridades governamentais a antiga comichão de, pela linha de menor resistência, aceitar cada vez mais inflação, em vez de concentrar-se no ataque às causas do desequilíbrio de preços.
Como acaba de ficar patente mais uma vez, com a divulgação do IPCA (índice de inflação do IBGE) de agosto, as pressões nos preços internos advindas da valorização do dólar têm sido o principal alimentador da inflação. A alta do dólar provoca um choque nos custos de setores importantes. Combater esse mal com a elevação dos juros tende a ser ineficiente por dois motivos: a inflação não decorre de um surto da demanda interna; e, num contexto de secura do crédito externo, elevar os juros domésticos não proporciona entrada de divisas que compense os efeitos do encarecimento do crédito interno.
Uma estabilização mais sólida do regime de preços internos será conquistada, portanto, com políticas voltadas ao ajuste estrutural do balanço de pagamentos. É preciso induzir a convergência da economia brasileira rumo a um modelo superavitário em turismo e em comércio, no mínimo menos deficitário nos fretes e menos dependente do capital financeiro internacional.
Nas atuais circunstâncias, tolerar uma inflação um pouco maior representa alívio não apenas para o governo, mas também para o nível da atividade econômica. Mas não se pode aceitar que essa conveniência pontual se transforme, inercialmente, em "solução". Significaria perder uma oportunidade de interromper o padrão brasileiro de sempre repassar a conta maior pelos desajustes econômicos aos agentes mais desprotegidos, os mais pobres.


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