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São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2003

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UM MUNDO PIOR

Dois anos depois de um grupo de fanáticos ter desfechado um ataque espetacularmente mortal contra os símbolos do poder econômico e militar dos Estados Unidos, matando covardemente 3.000 inocentes, o combate ao terrorismo continua ocupando as atenções da comunidade mundial.
Embora a tragédia, que de certa forma inaugurou o século 21, não tenha se convertido no prelúdio da Terceira Guerra Mundial, como muitos imaginaram nas horas e dias que se seguiram aos ataques, ela provocou uma série de reações da maior potência do planeta. Suas consequências, ainda em curso, põem em xeque as bases do titubeante multilateralismo que se tentava construir tendo como mediadora a ONU.
Atacados em casa, os norte-americanos passaram a considerar-se engajados numa cruzada contra o terrorismo e, em menos de dois anos, invadiram dois países islâmicos. A oportunidade de desfrutar da solidariedade internacional e estreitar os laços com aliados históricos foi, no entanto, desperdiçada. Se a campanha do Afeganistão ainda pôde contar com a chancela da ONU, a invasão do Iraque foi decidida de forma unilateral, com o Conselho de Segurança das Nações Unidas recusando-se a aprovar o ataque.
Sob o comando de um presidente, George W. Bush, que encontrou na guerra ao terror uma oportunidade de fortalecer a frágil legitimidade obtida nas urnas, os EUA não hesitaram em criar atritos com a Europa, despertando, de forma inédita, a oposição frontal da França e da Alemanha. Verdadeira nulidade diplomática, o governo norte-americano conseguiu em pouco tempo inverter os sinais de apoio e semear, com sua arrogância, o antiamericanismo nos quatro cantos do mundo.
No plano interno, os EUA sofreram abalos institucionais nada desprezíveis. Sob o pretexto de combater o terror, o Executivo tomou para si funções do Legislativo e do Judiciário. A administração Bush decretou controversas medidas de emergência e efetuou prisões que, em tempos normais, seriam consideradas ilegais e antidemocráticas. Esse movimento regressivo deu-se em meio a crescentes manifestações de racismo tanto por parte de autoridades como da população. Tudo somado, assistiu-se possivelmente ao mais preocupante retrocesso em termos de direitos civis já registrado na história recente dos EUA.
Feitas as contas, o obscurantismo terrorista parece estar logrando atingir, ao menos em parte, seus execráveis objetivos. Os conflitos no Oriente Médio agravaram-se, o mundo tornou-se mais inseguro, mais desunido e menos democrático. A ofensiva militar, ainda que intimidadora, patina perigosamente nos insucessos da ocupação do Iraque e do Afeganistão. A ONU, desprestigiada e impotente, não se mostra capaz, por si só, de recuperar-se do abalo sofrido, parecendo fadada a um incerto e difícil processo de reformulação.
As esperanças de que o indispensável combate ao terrorismo possa ser reequacionado, restabelecendo-se o multilateralismo no plano internacional, estão depositadas não simplesmente na capacidade de a comunidade mundial influenciar as decisões da potência única mas especialmente em um de seus mais elevados valores: a democracia. É a opinião pública norte-americana, são suas instituições políticas, é a inevitável rotatividade do poder que poderão servir, talvez, como antídoto para uma política externa cujos desdobramentos não inspiram previsões a respeito de um mundo melhor.


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