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UM MUNDO PIOR
Dois anos depois de um grupo
de fanáticos ter desfechado
um ataque espetacularmente mortal
contra os símbolos do poder econômico e militar dos Estados Unidos,
matando covardemente 3.000 inocentes, o combate ao terrorismo
continua ocupando as atenções da
comunidade mundial.
Embora a tragédia, que de certa
forma inaugurou o século 21, não tenha se convertido no prelúdio da
Terceira Guerra Mundial, como muitos imaginaram nas horas e dias que
se seguiram aos ataques, ela provocou uma série de reações da maior
potência do planeta. Suas consequências, ainda em curso, põem em
xeque as bases do titubeante multilateralismo que se tentava construir
tendo como mediadora a ONU.
Atacados em casa, os norte-americanos passaram a considerar-se engajados numa cruzada contra o terrorismo e, em menos de dois anos,
invadiram dois países islâmicos. A
oportunidade de desfrutar da solidariedade internacional e estreitar os laços com aliados históricos foi, no entanto, desperdiçada. Se a campanha
do Afeganistão ainda pôde contar
com a chancela da ONU, a invasão
do Iraque foi decidida de forma unilateral, com o Conselho de Segurança das Nações Unidas recusando-se
a aprovar o ataque.
Sob o comando de um presidente,
George W. Bush, que encontrou na
guerra ao terror uma oportunidade
de fortalecer a frágil legitimidade obtida nas urnas, os EUA não hesitaram em criar atritos com a Europa,
despertando, de forma inédita, a
oposição frontal da França e da Alemanha. Verdadeira nulidade diplomática, o governo norte-americano
conseguiu em pouco tempo inverter
os sinais de apoio e semear, com sua
arrogância, o antiamericanismo nos
quatro cantos do mundo.
No plano interno, os EUA sofreram abalos institucionais nada desprezíveis. Sob o pretexto de combater o terror, o Executivo tomou para
si funções do Legislativo e do Judiciário. A administração Bush decretou
controversas medidas de emergência
e efetuou prisões que, em tempos
normais, seriam consideradas ilegais e antidemocráticas. Esse movimento regressivo deu-se em meio a
crescentes manifestações de racismo
tanto por parte de autoridades como
da população. Tudo somado, assistiu-se possivelmente ao mais preocupante retrocesso em termos de direitos civis já registrado na história recente dos EUA.
Feitas as contas, o obscurantismo
terrorista parece estar logrando atingir, ao menos em parte, seus execráveis objetivos. Os conflitos no Oriente Médio agravaram-se, o mundo
tornou-se mais inseguro, mais desunido e menos democrático. A ofensiva militar, ainda que intimidadora,
patina perigosamente nos insucessos da ocupação do Iraque e do Afeganistão. A ONU, desprestigiada e
impotente, não se mostra capaz, por
si só, de recuperar-se do abalo sofrido, parecendo fadada a um incerto e
difícil processo de reformulação.
As esperanças de que o indispensável combate ao terrorismo possa ser
reequacionado, restabelecendo-se o
multilateralismo no plano internacional, estão depositadas não simplesmente na capacidade de a comunidade mundial influenciar as decisões da potência única mas especialmente em um de seus mais elevados
valores: a democracia. É a opinião
pública norte-americana, são suas
instituições políticas, é a inevitável
rotatividade do poder que poderão
servir, talvez, como antídoto para
uma política externa cujos desdobramentos não inspiram previsões a
respeito de um mundo melhor.
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