São Paulo, segunda-feira, 11 de setembro de 2006

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Cinema sem risco

AUSENTE da agenda política, a discussão sobre os mecanismos que regem o incentivo à cultura no Brasil merece destaque. O debate sobre as formas de racionalizar o gasto público não chegou a esse setor, ainda extremamente vulnerável à ineficiência, ao compadrio e à promiscuidade entre interesses públicos e privados.
Em 2005, o Ministério da Cultura registrou mais de R$ 600 milhões em recursos captados. São freqüentes os exemplos de mau uso desse dinheiro -de livros de arte que arrecadam milhões e não remuneram colaboradores a filmes que obtiveram apoio mas não foram concluídos.
O ponto de maior atrito é a produção cinematográfica. Nesse setor já existe uma indústria em condições de buscar fontes de financiamento privadas, dispostas a arriscar dinheiro em um produto. Mas, como mostrou reportagem recente desta Folha, o cinema é uma atividade produtiva em que fracasso comercial não significa prejuízo. Protegidos pelas leis de incentivo, os filmes se pagam antes de estrear.
Não se pode negar a importância dos subsídios para viabilizar iniciativas com finalidades restritas a um nicho regional ou a uma fatia pequena e específica de público. A mesma regra, porém, não pode valer para grandes produções. Não é raro um filme nacional ultrapassar a marca de 1 milhão de espectadores.
Nos últimos dez anos, mais de US$ 500 milhões fluíram dos cofres públicos para a atividade cinematográfica a título de renúncia fiscal. Não é razoável que essa transferência se dê num modelo que anula o risco e a necessidade de apresentar resultados.
É frágil o argumento oficial, segundo o qual a política de subsídios permite ao Brasil superar a condição de simples consumidor de cinematografias estrangeiras. No início esse método de incentivo pode ter sido relevante para a reestruturação da atividade local, mas hoje degenerou em acomodação à custa do erário.
Cabe apenas ao artista decidir que critérios usará na confecção de um filme. Mas o risco de seu produto transformar-se num fracasso comercial é um ônus que deveria também caber a ele, e não apenas ao contribuinte.


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