São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A maioridade incompleta do CDC

MARILENA LAZZARINI e LISA GUNN


O Código de Defesa do Consumidor ainda requer proteção da sociedade, pois tem sofrido vários ataques no Congresso Nacional

HÁ 18 anos, o Código de Defesa do Consumidor foi aprovado pelo Congresso Nacional e, graças às necessidades do próprio consumidor e ao trabalho incansável de juristas, Ministérios Públicos, Procons, associações civis, imprensa e Poder Judiciário, incontáveis avanços podem ser contabilizados na efetivação dos direitos do consumidor.
Nesse período, o mundo mudou muito. As relações de consumo tornaram-se mais complexas -em 1990, o telefone celular era pouco mais que um projeto, não existiam a banda larga, o comércio eletrônico, os transgênicos e a nanotecnologia. Os serviços públicos essenciais eram fornecidos por empresas estatais e a onda da globalização apenas começava.
Apesar disso, os princípios declarados no código continuam plenamente válidos e suficientes para proteger o consumidor. Contudo, se a lei está à prova do tempo na teoria, a prática requer forte atuação para impedir retrocessos e consolidar os direitos já alcançados.
Para começar, é preciso tornar o consumidor mais consciente, tornando efetivo o direito à educação para o consumo. Isso é crucial, especialmente nesse momento econômico favorável em que 30 milhões de brasileiros ascenderam para a classe C, ampliando seu acesso ao consumo.
A melhoria na qualidade de vida dependerá, entre outras coisas, da racionalidade dos novos hábitos de consumo desses cidadãos, que estão na mira das empresas, sob forte apelo ao consumismo e ao crédito fácil.
Lamentavelmente, a política de governo tem contribuído para estimular o uso do crédito, visando simplesmente o aquecimento da economia.
Esse consumidor deve ser olhado com atenção pelo governo, sobretudo porque práticas irresponsáveis de concessão de crédito podem trazer conseqüências desastrosas.
Com o CDC, a relação consumidor-empresa avançou, mas ainda há muito a melhorar. Diversos setores empresariais precisam reler o código e corrigir rumos na sua implementação, que até agora tem sido inadequada ou insuficiente, como demonstra o crescimento das reclamações nos Procons e outros canais.
O caminho da solução amigável dos problemas não surte os resultados esperados, fazendo desaguar no Judiciário os conflitos de consumo. O mau funcionamento dos serviços de atendimento a clientes chegou a tal extremo que o governo editou o decreto 6.523/08 para regular essa atividade.
Para bem aplicar o CDC, é preciso acompanhar as modificações do mercado de consumo, como a convergência tecnológica nas telecomunicações e os processos de concentração econômica em determinados setores, que podem inviabilizar o equilíbrio nas relações de consumo. Ao lado disso, é necessário acompanhar a edição de leis específicas que podem violar princípios e direitos previstos no código, como ocorre hoje com o marco legal de planos e seguros de saúde.
Assim, o código atinge a sua maioridade, mas ainda requer proteção da sociedade, pois tem sofrido vários ataques no Congresso Nacional. Dezenas de projetos de lei que objetivam sua modificação estão em tramitação, e muitos, se aprovados, representarão retrocesso na tutela das relações de consumo. Vamos a dois exemplos.
O projeto 20/07: em meio a dispositivos que tratam do parcelamento de solo urbano, traz um que diminui o direito do consumidor a ter devolvida parte do investimento em casos de desistência na compra de terrenos. O código diz que o consumidor não pode perder tudo o que pagou, mas o projeto impõe tantos descontos ao valor a ser devolvido que, na prática, o consumidor poderá ficar sem nada.
Outro é o projeto de lei 5.120/01, que afasta a responsabilidade objetiva e solidária das agências de turismo. Caso entre em vigor, consumidores de pacotes turísticos terão de resolver seus problemas diretamente com cada uma das empresas prestadoras de serviço, como hotéis, companhias aéreas ou guias turísticos terceirizados.
O código tem demonstrado ser uma ferramenta fundamental, prática e educativa para o exercício cotidiano de luta por direitos e para a construção da cidadania. Somos todos consumidores e, como tal, estamos protegidos por esse arcabouço legal.
Por isso, devemos nos mobilizar como seus guardiões, lutando pela sua implementação e monitorando a atuação dos congressistas, para que estes não ajam como inimigos do consumidor, diminuindo essa proteção.


MARILENA LAZZARINI , 60, é assessora de relações institucionais do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
LISA GUNN , 34, socióloga e mestre em ciência ambiental, é coordenadora-executiva do Idec.

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