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ANTONIO DELFIM NETTO
Concorrência e
espionagem
Para um mercado ser eficiente é
preciso que todos os seus participantes tenham o mesmo grau de informação. Se há assimetria de informação, o mercado funciona mal. E, se
um dos participantes tem informações privilegiadas, ele positivamente
não funciona. Quando as informações
têm de ser procuradas pelo próprio
agente, elas têm um custo privado que
a partir de certo ponto limita o seu
uso, quer por questões financeiras
(custo/benefício), quer por temor à
violação das leis. Mas e se o agente
produtor da informação é um Estado,
que pode quebrar códigos diplomáticos, usar tecnologia de última geração
e sustentar uma rede mundial de espionagem financiada por seu orçamento e, no fim, a entrega gratuitamente ao agente privado? Diante desse monstro (se ele existir), falar em
"mercado" e "concorrência" soa como uma piada de muito mau gosto.
Pois há sérias suspeitas de que ele
exista. Pelo menos é o que nos informa Jean-Charles Brisard, num magnífico artigo publicado na revista "Défense Nacionale", nš 7, julho de 2000.
Segundo Brisard, "a mutação do ambiente geoestratégico, depois da queda da União Soviética, conduziu a
uma redefinição das missões dos serviços de informação americanos. Ao
longo dos anos 90, instituiu-se como
seu objetivo "o suporte ao desenvolvimento econômico e comercial das
empresas privadas americanas". Já em
1992, o diretor da CIA, sr. Robert Gates, num discurso em Detroit, afirmava a "importância fundamental e crescente das questões econômicas internacionais para a comunidade de informação" e que "40% das novas ocupações da agência são de ordem econômica'".
Esses mecanismos de informação
têm o suporte da própria Presidência
dos EUA. Em fevereiro de 1995, Bill
Clinton estabeleceu como prioridade
dos serviços de informação (National
Security Strategy and Enlargement) "a
coleta e a análise de informações relativas ao desenvolvimento econômico"... E reafirmou que "o papel do governo é o de um sócio (sic) do setor
privado, agindo como um defensor
dos interesses econômicos nacionais".
Há um certo debate nos EUA sobre a
moralidade e a constitucionalidade de
agentes governamentais recolherem
informações para o setor privado. Ele
se concentra na legalidade dos serviços de informações para realizar tal
atividade e sua difusão a empresas privadas. Há, também, o problema da
sua moralidade diante das regras comerciais estabelecidas pela OMC, organismo que caminha para a desmoralização graças ao comportamento
dos países líderes mundiais. O debate
continua. Enquanto isso, o sr. James
Woolsey, sucessor do sr. Gates na CIA
revelou, candidamente, que "muitos
bilhões de dólares de contratos para as
empresas americanas foram obtidos
com o uso dos dados coletados pelos
serviços de informação".
Vai ser divertido ver os economistas
neocolonizados mais sofisticados modelarem um sistema com as virtudes
da livre competição, na presença de
um agente com conhecimento quase
infinito e que não é o velho e honesto
leiloeiro de Walras...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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