São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 2000

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Rota de igualdade


É irrisória a presença feminina em postos de comando nas empresas e nas várias instâncias de decisão política


LÚCIO ALCÂNTARA

Nesta época de eleições municipais, é oportuna a retomada do debate sobre a participação feminina no espaço político e nas esferas de poder.
Não é difícil constatar as barreiras que as mulheres têm a superar visando sua plena integração na vida profissional. Isso somado à insignificância ou mesmo ao desequilíbrio numérico verificado entre homens e mulheres no acesso às diversas instâncias de decisão política e econômica.
É de domínio público que a economia do país vem passando por transformações no âmbito da produção, traduzidas pela alteração das relações entre capital e trabalho. É também do conhecimento de todos que os trabalhadores, mulheres e homens, vêm se desdobrando para manter um nível de atualização e de qualificação profissional que os garantam. Em relação à força de trabalho feminina, todavia, as disparidades permanecem constantes, sublinhando a urgência de ações afirmativas que conduzam à igualdade de oportunidades.
A expressão "ações afirmativas", segundo o conceito original, significa a adoção de um conjunto de medidas para compensar, no presente, os efeitos provocados por atos discriminatórios, sucessivos e acumulados historicamente que relegam parcela da população à categoria de cidadãos de segunda classe. Nos casos referentes às discriminações originadas das relações desiguais de gênero, as ações afirmativas objetivam possibilitar à maioria feminina oportunidades indutoras da superação e da correção das desigualdades prevalecentes. Dentre elas destacam-se a busca da equidade no mundo do trabalho e a adoção do sistema de cotas partidárias.
A primeira tem suas bases no crescimento vertiginoso, ao longo dos anos 90, do número de mulheres inseridas na população economicamente ativa. Enquanto os índices apontam um crescimento anual de 1,1% para o contingente masculino, o feminino alcançou taxa de 3,9%, estimando-se que 31,3 milhões de cidadãs integrem a PEA (População Economicamente Ativa) no Brasil.
Mas pesquisas da Fundação Getúlio Vargas e do próprio Ministério do Trabalho revelam que, para as mesmas funções, mulheres com graus de escolaridade mais altos recebem salários mais baixos do que os destinados aos homens. E ainda que, apesar de numerosas, é irrisória a presença feminina em postos de comando nas empresas e nas instâncias de decisão política.
Com a adoção do sistema de cotas partidárias, o Brasil viveu, em 1996, a sua primeira experiência político-eleitoral, já incorporando os 20%, estabelecidos em lei, para candidaturas femininas às Câmaras Municipais. Posteriormente -e por iniciativa parlamentar- o Congresso estendeu a prerrogativa às Assembléias Legislativas e à Câmara Federal, ampliando o percentual para 25%, estabelecendo ainda meta de 30% para as eleições proporcionais de 2002.
Tomando por referência os dados aferidos em levantamento realizado pelo Ibam (Instituto Brasileiro de Administração Municipal), constata-se que, durante o mandato 1992-96, as mulheres ocuparam 8% do total dos assentos do conjunto das Câmaras Municipais, crescendo em 1996 -ano em que já prevalecia o sistema de cotas- para 11%, observando-se, em decorrência, um incremento real de cerca de três pontos percentuais.
Sem dúvida os números evoluíram. Porém não podemos ignorar a realidade. As cotas de participação no processo eletivo favorecem o acesso feminino ao universo da política, mas por si sós não são suficientes. Precisam vir acompanhadas de outras medidas que estimulem os partidos políticos a incorporar mulheres em postos de decisão na mesma proporção e nos mesmos patamares dos seus quadros masculinos, que conjuguem esforços no sentido de incentivar formas de capacitação da participação feminina nas atividades políticas.
Nessas eleições municipais tivemos 321 mil candidatos (306 mil para vereador e 15 mil para prefeito). Essa nova oportunidade poderá se constituir em poderoso instrumento para vencer resistências, ainda persistentes, rumo à igualdade de direitos.
Fato é que uma avaliação mais pormenorizada dos impactos efetivos no exercício dessa proporcionalidade requer maior acúmulo de dados e análises mais aprofundadas; entretanto é certo que a introdução desse sistema não só amplia o debate de gênero no interior dos partidos políticos, como também beneficia a sociedade, ao socializar o conhecimento historicamente acumulado pelas mulheres, tornando público e coletivo o que até então restringia-se ao universo privado.


Lúcio Alcântara, 56, médico sanitarista e senador (PSDB-CE), é membro da Comissão de Assuntos Sociais e da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Foi vice-governador do Estado do Ceará (governo Ciro Gomes).



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