São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O legado da ética

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA

O exercício retórico de alto nível, sofismas inteligentes, figuras de linguagem e a colocação de dilemas para os adversários enriquecem e tornam dinâmico todo o processo e os debates eleitorais. Entretanto a utilização desses recursos básicos da oratória deve ser limitada pela ética, pela verdade e, sobretudo, pelo respeito à inteligência do eleitor e ao seu direito de avaliar objetivamente as propostas dos candidatos.
Partindo desse pressuposto, são absolutamente descabidas as insinuações feitas, no debate da eleição para o governo paulista, de que o governador Geraldo Alckmin estaria tentando esconder do eleitorado o fato de ter presidido, por delegação do saudoso governador Mário Covas, o conselho diretor do PED (Programa Estadual de Desestatização).
Essa insinuação, caluniosa, não é sequer inteligente, pois, além de não haver nada a esconder, o fato de presidir um colegiado cujo trabalho teve resultados tão expressivos somente enalteceria qualquer gestor ou homem público. Assim, as insinuações feitas no debate entre os candidatos a governador paulista na TV e as bravatas de que, no segundo turno, impingir-se-á ao governador que revele o fato de ter presidido o Conselho de Desestatização constituem, no mínimo, um discurso vazio.
Para poupar trabalho e tempo aos que alardeiam essa "ameaça", sintetizarei os resultados do trabalho do Conselho de Desestatização, responsável pelo sucesso do projeto implantado pelo governador Mário Covas, em 1995.
Transformado em instrumento da reforma do setor público, o PED converteu-se no principal agente do reordenamento do papel do Estado, contribuindo para fortalecer seu caráter regulador nas atividades objeto de privatização/ concessão, ampliar investimentos públicos em infra-estrutura realizados pela iniciativa privada, reduzir o endividamento estadual e concentrar recursos na área social.
Alguns exemplos demonstram a total transparência, a preocupação de reduzir disparidades regionais e a valorização dos funcionários das companhias privatizadas: audiências públicas precederam cada processo de privatização, numa demonstração de respeito ao estado de direito e à sociedade. Não houve uma condenação sequer em mais de cem ações judiciais contra a desestatização, o que demonstra sua lisura.
No leilão da terceira área da Comgás, o montante do ágio de R$ 95 milhões foi destinado ao Programa de Desenvolvimento do Vale do Ribeira, incluindo o apoio a pequenas e microempresas; e em todas as privatizações foi garantida a participação dos funcionários das empresas na compra de ações.


O Programa Estadual de Desestatização converteu-se no principal agente do reordenamento do papel do Estado


É inquestionável o papel do PED no saneamento das contas públicas. Se, de um lado, as dívidas contabilizadas nas estatais a serem privatizadas foram transferidas, juntamente com o seu patrimônio, aos novos controladores, de outro foi também notável o sucesso obtido com a utilização dos recursos na renegociação da dívida paulista com a União. A parcela a ser liquidada em curto prazo pôde ser integralmente abatida, pela transferência direta de ativos, pela alienação de ações das estatais do setor elétrico e de títulos da Companhia Paulista de Ativos, criada em 23 de abril de 1996, para securitizar a dívida.
Preocupado com a questão da geração de emprego e renda, o governo de São Paulo introduziu nos processos de privatização e concessão a obrigatoriedade do cumprimento de metas de investimento, dentre as quais a que estabelece a expansão, em 15%, da capacidade instalada no sistema de geração de energia elétrica. Também incluiu nos contratos cláusula que assegura preferência às empresas nacionais na contratação de serviços e aquisição de insumos.
O PED cumpriu sua missão social ao destinar o equivalente a 10% dos recursos provenientes da privatização a projetos sociais. Além disso, com a transferência ao setor privado da responsabilidade de investir na infra-estrutura, o Estado pôde se voltar à sua atividade fim, cuidando dos serviços de natureza essencialmente pública.
Desde a criação do PED, em 1996, foram transferidos ao setor privado seis empresas do setor elétrico, uma de gás canalizado, quatro hotéis, um balneário e dois armazéns da Ceagesp; e áreas do Estado foram objeto de outorga de concessão para exploração dos serviços de distribuição de gás canalizado.
No âmbito das concessões rodoviárias, foram assinados com a iniciativa privada 12 contratos referentes a 12 lotes de trechos da malha rodoviária, um contrato na área de transportes metropolitanos, um contrato relativo ao setor elétrico e outro à área de saneamento. Foram alienados para as prefeituras três hotéis e oito balneários, bem como 15 unidades desativadas da Ceagesp.
Junto com outras alienações de menor porte, o PED somou, até o momento, R$ 23,9 bilhões. Além das dívidas das estatais privatizadas, da ordem de R$ 9,6 bilhões, transferidas, juntamente com o seu patrimônio, aos novos controladores; o que totaliza R$ 33,5 bilhões (inclui R$ 1,7 bilhão a ser pago pelos concessionários das rodovias).
Tudo isso tornou possível equacionar o Orçamento, o fluxo de caixa e as contas do governo de São Paulo, que estavam em situação caótica quando o governador Mário Covas assumiu seu primeiro mandato. Situação semelhante, aliás, à que o saudoso governador Franco Montoro encontrou ao tomar posse, em 15 de março de 1983. Ambos já partiram, mas deixaram um legado importante para a administração pública: modelos de gestão competente e ética.


Ruy Martins Altenfelder Silva, 63, advogado, é secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo.




Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Fábio Wanderley Reis: Depois das ventanias

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.