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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
O processo de alta do dólar vai continuar?
NÃO
Taxa de câmbio no nível adequado
ANTONIO CARLOS LEMGRUBER
NOS ÚLTIMOS meses, mais especificamente entre abril e
agosto, publicamos alguns artigos em inglês num dos melhores
blogs de macroeconomia dos EUA
(www.rgemonitor.com; editores:
Nouriel Roubini e Vitoria Saddi) a
respeito da supervalorização da taxa
de câmbio entre o real e o dólar a partir de 2003/2004, já levando em conta o início da crise financeira internacional. Eis alguns argumentos desses
artigos:
1- Nos últimos cinco anos, houve
grande desvalorização do dólar em
relação ao euro -da ordem de 50%-
e, além disso, houve uma apreciação
adicional do real em relação ao dólar
da ordem de 30%, certamente provocada por altas taxas de juros e pelo
impacto positivo dos preços de commodities na balança comercial.
2 - A despeito da permanência de
diferenciais de juros em favor da
moeda brasileira, era de esperar que
ainda em 2008 ocorresse alguma correção na taxa de câmbio R$/US$, retornando a níveis superiores a dois.
3 - Uma das surpresas dos últimos
anos foi justamente o fato de que não
chegou a haver deflação no Brasil entre 2004 e 2007, a despeito de uma
apreciação do real que chegou a ser
superior a 80%.
4 - Pode-se afirmar que, em comparação a 1994-1997, chegamos em
2008 a uma taxa real de câmbio certamente "pior" do que a paridade do
Plano Real de 1994 ou mesmo dos níveis que chegaram a ser atingidos em
1995 (R$ 0,85).
5 - Após essa apreciação do real ante o dólar, partindo de R$ 4 em 2002
para R$ 1,55 em 2008, e tendo em vista a crise financeira iniciada no final
de 2007, era razoável supor que os especuladores que operam o chamado
"carry trade" entre moedas não iriam
mais considerar o diferencial de juros
entre o Brasil e países de juros baixos,
como EUA, Japão e Suíça, sem pensar nos riscos de uma desvalorização
da moeda de juros altos, principalmente quando lembramos que, em
termos mensais, esse diferencial de
juros não chega a superar 1%, contra
potenciais desvalorizações de dois dígitos em um só mês.
6 - No caso de taxas de câmbio (e
outros ativos, como commodities),
Rudiger Dornbusch e Jacob Frenkel
descobriram o fenômeno que veio a
ser denominado "overshooting", capaz de promover autênticas bolhas
que levam a números muito acima
(ou abaixo) dos pontos naturais de
equilíbrio. O que ocorre é que, justamente para produzir expectativas de
desvalorização da moeda no futuro, a
taxa de câmbio precisa apreciar no
presente muito além daquilo que seria um ponto normal de equilíbrio.
7 - Fluxos financeiros internacionais dominam o mercado de câmbio a
curto prazo e tendem a gerar esses fenômenos denominados "overshootings", que são justamente geradores
das chamadas "bolhas" financeiras.
Para sermos coerentes com tudo
isso que temos escrito nos últimos
seis meses, só podemos dizer que a
crise financeira internacional trouxe
a taxa de câmbio R$/ US$ no Brasil
para um nível adequado e correto.
Nossa opinião, portanto, é que o
câmbio deve permanecer a partir de
agora na faixa de R$ 2,2 a R$ 2,3, seja
por fatores de mercado, seja pela presença do Banco Central no mercado,
como grande vendedor potencial,
com sua reserva de US$ 200 bilhões.
É necessário, porém, acompanhar
com a mesma atenção a taxa de câmbio entre o real e o euro.
Da mesma forma que, entre 2003 e
2008, a apreciação do real foi bem
menor em relação ao euro, assim
também nas últimas semanas o real
não chegou a apresentar uma "maxidesvalorização" em relação ao euro.
Esse fenômeno merece pesquisa, dada a importância da "taxa efetiva real
de câmbio" na análise do comércio
exterior.
Tecnicamente, pode-se afirmar
que, após um longo período de tempo, reverteu-se finalmente o chamado "overshooting" do real, não sendo
possível imaginar que venha a ocorrer, a partir de agora, um fenômeno
oposto ao que ocorreu entre 2003 e
2008: uma bolha na direção contrária
(acima de R$ 3, por exemplo, como
aconteceu em 2002).
ANTONIO CARLOS LEMGRUBER, 60, economista, é ex-presidente do Banco Central do Brasil.
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