São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Hospitais de excelência e filantropia

ADIB D. JATENE


Os grandes hospitais filantrópicos se dispõem a colaborar com a rede pública. O país não pode prescindir de seus serviços

DESDE 1948 , quando ingressei na Faculdade de Medicina da USP, venho acompanhando e testemunhando o que ocorreu no setor da saúde. Os grandes hospitais brasileiros eram então alguns poucos universitários, e os hospitais da Previdência Social, construídos quando praticamente ainda não havia aposentados. Esses hospitais, da mesma forma que os universitários, incorporavam toda a moderna tecnologia, exerciam a liderança tanto no atendimento quanto na graduação e na pós-graduação e eram responsáveis pela pesquisa médica.
A criação do SUS coincidiu com o grande aumento do número de aposentados, inclusive os rurais, e a retirada dos recursos que a Previdência destinava à saúde.
Com isso, ocorreu uma deterioração da rede pública, cujo exemplo mais expressivo vimos no Rio de Janeiro. Foram montadas barracas de campanha pelas Forças Armadas para atender a afetados pela dengue, enquanto os hospitais outrora líderes e incorporadores dos avanços científicos e da tecnologia médica encontravam-se sucateados. Esse desgaste, em alguma medida, atingiu também os hospitais universitários. Fosse o país depender dessa rede, estaríamos em situação insuportável de retrocesso e desatualização.
Ocorre que os hospitais construídos e mantidos por coletividades de descendentes de imigrantes que tomaram a si a responsabilidade de oferecer ao país instituições sem fins lucrativos, reinvestindo todo o resultado do seu desempenho nas respectivas instituições, conseguiram acompanhar o desenvolvimento internacional, incorporar a moderna tecnologia e provocar uma inversão, ou seja, assistir aos hospitais públicos entregarem a liderança aos hospitais de excelência, que não só estão na fronteira do conhecimento como também promovem pesquisa, treinamento pós-graduado e publicações científicas, bem como treinamento especializado. Nenhum dos diretores tem qualquer tipo de benefício; ao contrário, doam o seu trabalho, que os engrandece nas suas comunidades.
No momento em que o setor público luta para melhorar o atendimento e criar acesso crescente à população de baixa renda, os grandes hospitais filantrópicos, que, além do resultado de suas operações, captam recursos adicionais nas suas comunidades, se dispõem a colaborar com a rede pública, não apenas atendendo gratuitamente aos menos favorecidos mas também oferecendo sua competência em diversos campos do conhecimento e da atenção para fortalecer o setor público. Com tudo de que ele precisa e que não consegue incorporar, existe quem subestime essa colaboração.
A isenção fiscal obtida por esses hospitais é integralmente compensada pelos serviços prestados, acordados conforme os interesses do Ministério da Saúde, cuidadosamente calculados para que os benefícios concedidos até ultrapassem o valor da isenção, que, de outra forma, não viria para o setor da saúde e se perderia nos gastos do Orçamento, muitas vezes de forma pouco defensável.
Os hospitais de excelência, que sustentam a incorporação do conhecimento e da tecnologia e que hoje são líderes incontestáveis, todos com Certificado de Acreditação da Joint Commission International, vêm se juntar ao setor público para oferecer a competência que adquiriram e contribuir para o engrandecimento do SUS e, em conseqüência, do atendimento à população. O fato de atender a parcela com maior disponibilidade de recursos, inclusive autoridades, não os diminui, ao contrário, os distingue.
Outros hospitais existem no país, que sempre foram considerados filantrópicos, que dispõem de condições semelhantes e devem ser incorporados a esses mecanismos de estímulo e contribuição ao desenvolvimento científico e tecnológico, colocando o país em pé de igualdade com as economias mais desenvolvidas.
A rede de hospitais com finalidade lucrativa e que não se beneficiam da isenção cumprem o seu papel assistencial, aliviando o SUS, embora não tenham o desempenho adicional que os hospitais de excelência apresentam e de que o país precisa, não pode dispensar e deve estimular.
Filantropia não é apenas atender gratuitamente ou ser remunerado pelo SUS; é, também, reinvestir integralmente o resultado da sua operação, sem benefício pessoal de ninguém, e participar da pesquisa e do ensino e ajudar na formação de pessoal de que o país precisa.
Esses hospitais possuem não só instalações, mas profissionais capazes de honrar o compromisso que assumem com o setor público para compensar uma isenção largamente coberta pelos serviços que prestam ao país -país este que não pode prescindir de seus serviços e, muito menos, substituí-los.


ADIB D. JATENE , 79, cardiologista, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e diretor-geral do Hospital do Coração. Foi ministro da Saúde (governos Collor e FHC) e secretário da Saúde do Estado de São Paulo (governo Maluf) e diretor do InCor.

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