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TENDÊNCIAS/DEBATES
Copo meio cheio ou copo meio vazio
PAULO RENATO SOUZA
A transformação da educação
brasileira que vem sendo levada a
cabo pelo governo Fernando Henrique
não se faz de uma só vez. Certamente
não será de um ano para o outro que
nossos alunos estarão mais capacitados.
É um processo de longa duração.
O país conseguiu antecipar e superar a
meta estabelecida pelo Plano Decenal
de Educação para Todos, que previa elevar para, no mínimo, 94% a cobertura
da população em idade escolar, até
2003. Estamos com 97% das crianças na
escola. A década de 90 foi um marco. A
discussão sobre a educação está hoje
centrada na qualidade, o que é um importante sinal de avanço. Já não nos
preocupamos com falta de vagas e filas
para matrícula no ensino fundamental.
A questão da oferta está equacionada
e, nos demais níveis, a expansão tem um
ritmo acelerado. Para equacionar o problema da qualidade, precisávamos, em
primeiro lugar, ter avaliações e informações sobre o ensino para subsidiar
nossas políticas. Um enorme avanço
ocorreu nesse ponto. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais passou a responder por todo o sistema de captação, avaliação e armazenamento de informações da área educacional do país. A alta qualidade das pesquisas tornou-as um instrumento indispensável ao planejamento e à execução das políticas públicas e ganhou o
respeito internacional. Graças aos avanços, o país participa hoje de estudos internacionais comparativos que permitem um diagnóstico preciso do Brasil.
Infelizmente ainda estamos distantes
do desejável. Se compararmos quaisquer outros indicadores sociais (IDH,
mortalidade infantil ou mortalidade
materna), também ficaremos atrás. Não
obstante, se desagregarmos a análise do
Pisa 2000 (OCDE) e pegarmos apenas
os alunos brasileiros com 15 anos
-idade de aplicação da pesquisa - na
série correta, excluído o atraso escolar,
estaremos no mesmo patamar de outros países pesquisados.
Mas o atraso escolar é uma realidade.
Em meados da década de 90, apenas
50% das crianças que iniciavam a primeira série do ensino fundamental concluíam as oito séries, levando em média
12 anos para fazê-lo, devido às taxas extremamente elevadas de repetência e de
evasão escolar. Herdamos uma estrutura secular de descaso com a educação de
massa e de atraso social. Se o sistema
educacional estivesse hoje nas mesmas
condições de países desenvolvidos, certamente estaríamos também com melhor padrão econômico.
O sistema educacional brasileiro não
opera no vácuo, ele é reflexo direto da
situação social brasileira. Quando se leva em conta o desempenho segundo fatores como idade, faixa de renda, gênero e escolaridade dos pais, a variável que
causa a maior diferença de média é a faixa de renda do participante. A questão
da faixa de renda deve ser compreendida dentro de um contexto mais amplo,
já que vários fatores são relacionados.
O sistema educacional
brasileiro não opera
no vácuo, ele é reflexo
direto da situação
social brasileira
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Estudantes de famílias com maior
renda normalmente têm pais com mais
escolaridade e, além disso, possuem
acesso facilitado a bens culturais como
livros, computadores, cinema e viagens.
Por outro lado, esses alunos constituem
uma minoria entre aqueles que prestaram o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Quanto menor a escolarização dos pais pior o desempenho de
aluno. Não adianta pegar um aluno da
escola pública do Jardim Ângela, em
São Paulo, que nunca teve um único livro dentro de sua casa, e querer que ele
tenha o mesmo desempenho dos filhos
das famílias de leitores deste jornal, que
possivelmente já estão na segunda ou
terceira geração de ensino superior.
A maioria passou a ter condições de
estudar na década de 90. Quando democratizamos o acesso ao Enem 2001,
facultando a gratuidade aos alunos das
escolas públicas (o que propiciou o
crescimento de 316% no número de inscritos), não era razoável esperar outro
resultado. Por causa dessa medida, o
perfil do estudante deste Enem foi o de
concluinte de ensino médio. Antes, era
o vestibulando. No exame deste ano,
60% dos estudantes têm rendimento familiar de até cinco salários mínimos,
contra 25% do Enem 2000.
O trabalho pela qualidade da escola é
um verdadeiro mutirão, onde toda a sociedade deve participar. Isso se faz de
várias formas: com a presença da família na escola; com a participação nos
conselhos municipais; com os programas de informatização; com as bibliotecas escolares; com a TV Escola; com os
meios de comunicação que produzem e
divulgam conteúdos pedagógicos; e
com o voluntariado. A mãe que dá algumas horas do seu tempo para contar
histórias para as crianças na escola do
seu bairro contribui para o gosto e a capacidade de leitura tanto quanto o especialista que colabora na definição dos
parâmetros curriculares do ensino médio para a área de linguagem.
Todos têm razão de estar indignados.
O copo brasileiro da dívida social é muito grande. E, por mais que nós tenhamos feito para encher esse copo, talvez
tenhamos chegado apenas à metade dele. Mas é preciso persistir e olhar para a
parte que não conseguimos encher. E a
indignação é fundamental para irmos
adiante, assim como a paciência e a persistência, pois um problema histórico e
extremamente grave não pode ser vencido num curto prazo. Isso nos ensinou
o já saudoso professor Vilmar Faria.
Paulo Renato Souza, 55, economista, é ministro da Educação.
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