São Paulo, terça-feira, 11 de dezembro de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Copo meio cheio ou copo meio vazio

PAULO RENATO SOUZA

A transformação da educação brasileira que vem sendo levada a cabo pelo governo Fernando Henrique não se faz de uma só vez. Certamente não será de um ano para o outro que nossos alunos estarão mais capacitados. É um processo de longa duração.
O país conseguiu antecipar e superar a meta estabelecida pelo Plano Decenal de Educação para Todos, que previa elevar para, no mínimo, 94% a cobertura da população em idade escolar, até 2003. Estamos com 97% das crianças na escola. A década de 90 foi um marco. A discussão sobre a educação está hoje centrada na qualidade, o que é um importante sinal de avanço. Já não nos preocupamos com falta de vagas e filas para matrícula no ensino fundamental.
A questão da oferta está equacionada e, nos demais níveis, a expansão tem um ritmo acelerado. Para equacionar o problema da qualidade, precisávamos, em primeiro lugar, ter avaliações e informações sobre o ensino para subsidiar nossas políticas. Um enorme avanço ocorreu nesse ponto. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais passou a responder por todo o sistema de captação, avaliação e armazenamento de informações da área educacional do país. A alta qualidade das pesquisas tornou-as um instrumento indispensável ao planejamento e à execução das políticas públicas e ganhou o respeito internacional. Graças aos avanços, o país participa hoje de estudos internacionais comparativos que permitem um diagnóstico preciso do Brasil.
Infelizmente ainda estamos distantes do desejável. Se compararmos quaisquer outros indicadores sociais (IDH, mortalidade infantil ou mortalidade materna), também ficaremos atrás. Não obstante, se desagregarmos a análise do Pisa 2000 (OCDE) e pegarmos apenas os alunos brasileiros com 15 anos -idade de aplicação da pesquisa - na série correta, excluído o atraso escolar, estaremos no mesmo patamar de outros países pesquisados.
Mas o atraso escolar é uma realidade. Em meados da década de 90, apenas 50% das crianças que iniciavam a primeira série do ensino fundamental concluíam as oito séries, levando em média 12 anos para fazê-lo, devido às taxas extremamente elevadas de repetência e de evasão escolar. Herdamos uma estrutura secular de descaso com a educação de massa e de atraso social. Se o sistema educacional estivesse hoje nas mesmas condições de países desenvolvidos, certamente estaríamos também com melhor padrão econômico.
O sistema educacional brasileiro não opera no vácuo, ele é reflexo direto da situação social brasileira. Quando se leva em conta o desempenho segundo fatores como idade, faixa de renda, gênero e escolaridade dos pais, a variável que causa a maior diferença de média é a faixa de renda do participante. A questão da faixa de renda deve ser compreendida dentro de um contexto mais amplo, já que vários fatores são relacionados.


O sistema educacional brasileiro não opera no vácuo, ele é reflexo direto da situação social brasileira
Estudantes de famílias com maior renda normalmente têm pais com mais escolaridade e, além disso, possuem acesso facilitado a bens culturais como livros, computadores, cinema e viagens. Por outro lado, esses alunos constituem uma minoria entre aqueles que prestaram o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Quanto menor a escolarização dos pais pior o desempenho de aluno. Não adianta pegar um aluno da escola pública do Jardim Ângela, em São Paulo, que nunca teve um único livro dentro de sua casa, e querer que ele tenha o mesmo desempenho dos filhos das famílias de leitores deste jornal, que possivelmente já estão na segunda ou terceira geração de ensino superior.
A maioria passou a ter condições de estudar na década de 90. Quando democratizamos o acesso ao Enem 2001, facultando a gratuidade aos alunos das escolas públicas (o que propiciou o crescimento de 316% no número de inscritos), não era razoável esperar outro resultado. Por causa dessa medida, o perfil do estudante deste Enem foi o de concluinte de ensino médio. Antes, era o vestibulando. No exame deste ano, 60% dos estudantes têm rendimento familiar de até cinco salários mínimos, contra 25% do Enem 2000.
O trabalho pela qualidade da escola é um verdadeiro mutirão, onde toda a sociedade deve participar. Isso se faz de várias formas: com a presença da família na escola; com a participação nos conselhos municipais; com os programas de informatização; com as bibliotecas escolares; com a TV Escola; com os meios de comunicação que produzem e divulgam conteúdos pedagógicos; e com o voluntariado. A mãe que dá algumas horas do seu tempo para contar histórias para as crianças na escola do seu bairro contribui para o gosto e a capacidade de leitura tanto quanto o especialista que colabora na definição dos parâmetros curriculares do ensino médio para a área de linguagem.
Todos têm razão de estar indignados. O copo brasileiro da dívida social é muito grande. E, por mais que nós tenhamos feito para encher esse copo, talvez tenhamos chegado apenas à metade dele. Mas é preciso persistir e olhar para a parte que não conseguimos encher. E a indignação é fundamental para irmos adiante, assim como a paciência e a persistência, pois um problema histórico e extremamente grave não pode ser vencido num curto prazo. Isso nos ensinou o já saudoso professor Vilmar Faria.


Paulo Renato Souza, 55, economista, é ministro da Educação.


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