São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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DEPOIS DA BOLHA

Durante a campanha eleitoral, um grupo de analistas alertava para o caráter transitório na alta dos preços. A hipótese da "bolha inflacionária" vem sendo demonstrada. Havia de fato uma grande incerteza política, motivada tanto pela suspeita de que uma vitória oposicionista traria rupturas na ordem econômica quanto pela realidade objetiva de uma economia em graves dificuldades para honrar compromissos externos. O medo do desconhecido levou os agentes econômicos a se refugiar no dólar, contribuindo para mais uma crise cambial no país.
Os índices mais recentes de inflação mostram um nítido movimento de desaceleração. O pico do que se mostra realmente como uma bolha inflacionária causada pela incerteza política ocorreu em novembro do ano passado. O IGP-M, índice em que a desvalorização do real aparece com nitidez, registrou 1,34% na primeira prévia de janeiro, contra 2,61% na primeira prévia de dezembro. O IPCA (referência na determinação da meta de inflação), caiu de 3,02% para 2,10% entre novembro e dezembro. Os preços no atacado caíram de 3,18% para 1,52%.
Se as pressões inflacionárias recuam com nitidez, o mesmo não ocorre com as pressões de economistas e instituições financeiras em favor da manutenção da política de juros altos. A pouco mais de uma semana da primeira reunião do Copom sob o governo Lula, essas vozes se unem para afirmar que o regime de metas inflacionárias está ameaçado e que portanto é preciso dar continuidade ao arrocho monetário, talvez até elevar novamente as taxas de juros (atualmente em 25% ao ano).
Ao descartar a hipótese de uma bolha inflacionária causada por fatores de curto prazo, como a incerteza eleitoral, o Banco Central corre o risco de dirigir a economia guiando-se pelo espelho retrovisor.
Está de volta o argumento de que a estabilização da economia é suspeita enquanto não ocorrer um ajuste fiscal estrutural. Sem esse ajuste, o BC não poderia reduzir os juros. Mas como esse ajuste depende de reformas constitucionais e outras medidas que apenas o Congresso pode regulamentar, a política de âncora monetária prosseguiria indefinidamente. Em benefício dos interesses financistas e em prejuízo da produção, do investimento e do emprego, ou seja, do crescimento econômico.
O outro lado desse ajuste é o das contas externas. A dependência financeira aumentou nos últimos anos e, para gerar saldos no comércio exterior, freia-se a demanda doméstica. Sem esses saldos obtidos à custa da contenção do crescimento, faltariam ainda mais dólares e talvez nem os recursos do FMI bastassem para manter o país à tona.
Mesmo levando em conta o objetivo maior do ajuste externo, parece inegável que o choque de juros motivado pela crise cambial já cumpriu o seu papel. Os índices de inflação, em especial os que refletem a pressão cambial, recuam. Empresas e bancos ensaiam seu retorno ao mercado internacional, captando divisas. A receita monetária defensiva, justificada como antídoto para a incerteza política, perdeu razão de ser. Entrevê-se a abertura de espaço para que se dê início a uma queda gradual dos juros, a fim de buscar uma estabilidade não apenas duradoura e sustentável, mas sobretudo compatível com a retomada do crescimento econômico.



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