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TENDÊNCIAS/DEBATES
Com o episódio da CPMF, a oposição ao governo Lula encontrou um caminho?
NÃO
Tomar o dinheiro de Lula
FÁBIO WANDERLEY REIS
RESPONDER "não" à pergunta da
Folha envolve presumir que a
idéia do rumo expresso na atuação recente da oposição seja vista
com alguma seriedade ou em termos
mais ambiciosos. Pois é claro que essa
atuação tem "dado certo" em determinado sentido: impôs-se a derrota
do governo no caso da CPMF e, com a
difícil situação orçamentária que resulta, torna-se possível continuar a
fustigá-lo, sobretudo dada a precariedade de sua sustentação no Congresso Nacional.
Mas os limites do caminho trilhado
pela oposição são também claros. Talvez se possa deixar de lado o Democratas. O próprio fato de ter acabado
tendo de carregar esse nome desajeitado é um arremate irônico da camaleônica trajetória desde a condição de
partido da ditadura militar, ponto de
origem do governismo e do clientelismo de sempre que de repente perdem
o pé. Pagando o preço da imagem negativa junto às parcelas majoritárias
do eleitorado urbano e há muito sem
perspectiva de uma candidatura presidencial que pudesse pretender viabilidade, é natural que esteja disposto
a fazer barulho e jogar duro, quem sabe atear fogo ao circo, na expectativa
de cavar espaço.
Do ponto de vista do PSDB, porém,
o quadro atual faz surgir problemas
novos, que se juntam a outros menos
novos e os complicam. Não obstante o
ânimo hostil que as circunstâncias da
luta com o PT pela hegemonia política nacional ocasionalmente produziram, em especial em São Paulo, a auto-imagem social-democrática do
partido não pode senão aproximá-lo
de posições que Lula na Presidência
terminou adotando com êxito, por
gosto ou à força, e não é claro até onde, eleitoralmente, convém levar a
briga. As derrotas nas duas últimas
eleições presidenciais, e sobretudo as
condições da derrota de 2006, com a
frouxidão abjurante da campanha de
Alckmin, combinadas com a cisão latente engendrada por duas novas
candidaturas presidenciais potencialmente fortes com os governadores José Serra e Aécio Neves, trouxeram ao PSDB sua dose da recente crise geral dos partidos. Ora, a guerra em
torno da CPMF e os desdobramentos
parecem intensificá-la, em seu caso,
por mais de um aspecto.
Para começar, há um problema de
consistência (ainda que obviamente
caiba apontá-lo, às avessas, também
no PT) em que o partido batalhe com
exacerbada agressividade contra um
tributo que ele próprio, no poder,
criou, eternizou e desvirtuou. Além
disso, como tem sido observado, o radicalismo com que o PSDB foi levado,
no episódio da CPMF, a comprometer a imagem de paladino da saúde,
conquistada sobretudo com Serra no
ministério correspondente, dificilmente poderia ser avaliado como
compensado, do ponto de vista eleitoral, pelo fato de que supostamente se
trata de mitigar o peso da carga tributária -tema muito menos visível, por
boas ou más razões, junto ao eleitorado popular.
Há mais, porém. A cisão latente entre Serra e Aécio compôs-se com o
novo foco de tensão entre os governadores, de um lado, em particular os
candidatos potenciais à Presidência, e
a bancada de senadores, de outro.
Passemos também por alto, aqui, o
papel desempenhado no episódio pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso: ele vem sendo pessoalmente, há mais tempo, indício e fonte das
dificuldades do PSDB, por uma parte
representando liderança de clara importância, por outra tendendo a ser
posto de lado em razão da impopularidade com que concluiu seu governo,
donde resultam formas de atuação
(em que suas posições são como que
gritadas "de fora") de motivação com
freqüência pouco clara e conseqüências provavelmente negativas, ao cabo, para o partido como tal.
Mas há Arthur Virgílio. Não será
com as feições marcadas pela truculência palavrosa e pobre de votos do
líder da promessa de surra no presidente, do blefe da ameaça da CPI do
Caixa Dois (depois do esquecido convite de 2000 a que "não sejamos hipócritas, todo mundo burla a lei"), dos
insultos no plenário do Senado Federal a Pedro Simon e das alusões ofensivas aos próprios presidenciáveis do
partido que as perspectivas do PSDB
se tornarão mais brilhantes em qualquer plano.
Era melhor ter deixado ao DEM a
luta no STF para que Lula fique sem
dinheiro.
FÁBIO WANDERLEY REIS, 70, cientista político, doutor
pela Universidade Harvard (EUA), é professor emérito da
UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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