São Paulo, terça-feira, 12 de fevereiro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O carnaval e o tempo

RIO DE JANEIRO - Há várias maneiras de expressar a passagem do tempo. A mais melancólica, no meu entender, é dizer que fulano tem tantos Carnavais nas costas. A primeira vez que ouvi a expressão fiquei pasmo. Um sujeito se declarou cansado, não queria participar de uma festa. Para melhor ser entendido, disse que tinha 40 e tantos Carnavais.
Custei a entender o que ele queria definir, se o cansaço dele ou a fadiga do carnaval em si. Quando entendi a coisa, passei a encarar o Carnaval de outro modo. Não era mais uma festa, mas um ciclo, uma volta completa no destino.
Bem verdade que, de uns tempos para cá, o Carnaval foi perdendo essa força que o tornava rival do tempo, marco da história. No fundo, acho que eles ficaram parecidos demais uns com os outros e todos com nenhum.
Tirante o pessoal das escolas de samba, que se esbofa durante o ano para sair cantando as raízes da raça brasileira, os feitos de Duque de Caxias, as vitórias da siderurgia nacional ou a beleza do uirapuru na floresta amazônica, o Carnaval não mede o tempo nem valerá a memória.
Foi-se aquela mistura de prazer e saudade que os Carnavais deixavam na gente, o cheiro do lança-perfume, a nudez adolescente que mostrava uma carne até então inédita à cupidez dos marmanjos.
Nunca esqueci a odalisca de 13 anos envolta em véus. Quando me confessei para a primeira comunhão e o padre perguntou se eu já pecara contra a castidade, pensei na odalisca e disse que sim. E eu nem sabia ao certo o que era castidade.
Cada Carnaval tinha seu cheiro, sua cor, sua música. Ao se ouvir sucessos dos Carnavais passados, o tempo retorna inteiro, com suas fantasias de cetim, seus pompons grenás, os fogos de bengala que iluminavam as pastoras das marchas-rancho, a cara branca dos pierrôs, os olhos das meninas que, pintados pela primeira vez, anunciavam a mulher que estava nascendo.


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