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CARLOS HEITOR CONY
O carnaval e o tempo
RIO DE JANEIRO - Há várias maneiras de expressar a passagem do tempo. A mais melancólica, no meu entender, é dizer que fulano tem tantos
Carnavais nas costas. A primeira vez
que ouvi a expressão fiquei pasmo.
Um sujeito se declarou cansado, não
queria participar de uma festa. Para
melhor ser entendido, disse que tinha
40 e tantos Carnavais.
Custei a entender o que ele queria
definir, se o cansaço dele ou a fadiga
do carnaval em si. Quando entendi a
coisa, passei a encarar o Carnaval de
outro modo. Não era mais uma festa,
mas um ciclo, uma volta completa no
destino.
Bem verdade que, de uns tempos
para cá, o Carnaval foi perdendo essa
força que o tornava rival do tempo,
marco da história. No fundo, acho
que eles ficaram parecidos demais
uns com os outros e todos com nenhum.
Tirante o pessoal das escolas de
samba, que se esbofa durante o ano
para sair cantando as raízes da raça
brasileira, os feitos de Duque de Caxias, as vitórias da siderurgia nacional ou a beleza do uirapuru na floresta amazônica, o Carnaval não mede
o tempo nem valerá a memória.
Foi-se aquela mistura de prazer e
saudade que os Carnavais deixavam
na gente, o cheiro do lança-perfume,
a nudez adolescente que mostrava
uma carne até então inédita à cupidez dos marmanjos.
Nunca esqueci a odalisca de 13 anos
envolta em véus. Quando me confessei para a primeira comunhão e o padre perguntou se eu já pecara contra
a castidade, pensei na odalisca e disse
que sim. E eu nem sabia ao certo o
que era castidade.
Cada Carnaval tinha seu cheiro,
sua cor, sua música. Ao se ouvir sucessos dos Carnavais passados, o
tempo retorna inteiro, com suas fantasias de cetim, seus pompons grenás,
os fogos de bengala que iluminavam
as pastoras das marchas-rancho, a
cara branca dos pierrôs, os olhos das
meninas que, pintados pela primeira
vez, anunciavam a mulher que estava nascendo.
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