São Paulo, terça-feira, 12 de fevereiro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Solidariedade e vida
ROBERTO DUAILIBI
Cabe ao Estado garantir a educação, a saúde e o trabalho a todos os cidadãos. Se o Estado conseguir assegurar esses direitos essenciais, caberá ao esforço de cada um obter os bens materiais e espirituais que o possam distinguir. A grande tarefa solidária do Estado é permitir que a economia gere o maior número possível de empregos e perspectivas de realização. Na sociedade atual é provavelmente impossível obter a igualdade econômica para todos; mas não é difícil dela se aproximar, mediante o crescimento da classe média. Os países mais desenvolvidos não conseguiram eliminar definitivamente a pobreza, mas a existência de uma classe média majoritária permite a crescente democratização do poder político e o mínimo de justiça na distribuição da renda. A equidade econômica não elimina a necessidade de que sejamos solidários. Os homens não sofrem apenas da carência de bens materiais, que são indispensáveis ao exercício da virtude, conforme a lição do santo Tomás de Aquino, mas necessitam também do afeto, do amor e do usufruto da amizade. Só os egoístas e avaros podem se satisfazer no isolamento. Não é por acaso que uma boa teologia vê na solidariedade a descoberta de Deus. Esse entendimento explica a aparência humana que as religiões deram aos deuses, aos anjos e aos titãs: é necessário que eles tenham olhos para ver os homens, ouvidos para ouvi-los e braços para ajudá-los. Por solidariedade com os homens, a fim de os salvar, Deus enviou seu filho ao mundo, fazendo-o nascer no meio dos bichos, vivendo em uma terra colonizada, como filho de trabalhador, curando os enfermos, pregando um reino de igualdade e sendo flagelado, coroado de espinhos e crucificado. Como todas as empresas humanas, a solidariedade é um processo, sucessão de atos em busca do melhor convívio dos seres vivos, e não só dos homens. A solidariedade não é ato gratuito, que nasça da bondade, mas, como ela, se trata de uma necessidade. O homem deve ser bom, porque isso é melhor para ele mesmo e para todos. A solidariedade sempre foi, e continua sendo, um ato da inteligência. A solidariedade nada tem a ver com a caridade, que pressupõe a superioridade de quem dá em relação a quem recebe; a solidariedade parte do princípio da igualdade entre quem dá e quem recebe e deve ser exercida sem nenhuma esperança de contrapartida. Nunca foi tão fácil ao mundo o exercício da solidariedade. A tecnologia de produção permite que haja excedentes agrícolas como em nenhuma outra época, mas povos inteiros continuam morrendo de fome. Metade dos brasileiros arrasta-se ainda na penúria e no sofrimento. Por serem assim tão pobres, a sua pobreza se reproduz e se multiplica, geração após geração. Quando as famílias melhoram o seu padrão, diminui-se o número de seus filhos. Não há melhor contenção demográfica do que o bem-estar, nem há melhor instrumento de combate à violência urbana. Solidariedade, humanismo e cristianismo são expressões sinônimas. As pessoas que os praticam, fazem-no como se estivessem na grande e última festa na Terra, imaginada por Rubem Braga. Anima-as aquela verdade, a de que só temos uma vida e só podemos aproveitá-la no convívio solidário com os outros seres humanos. Roberto Duailibi, 66, publicitário, sócio-diretor da agência DPZ, é conselheiro do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Flavia Piovesan: Insegurança pública e crime organizado Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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