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CARLOS HEITOR CONY
Boi de piranha
RIO DE JANEIRO - Alguns leitores estranharam a crônica que publiquei no último domingo ("A farra
dos lápis").
Na unanimidade da mídia e das
cartas à Redação, condenando com
o vocabulário mais radical o uso e o
abuso dos cartões corporativos, o
meu texto poderia dar a impressão
de que minimizava o escândalo.
Bastaria uma leitura atenta (e inteligente) para compreender o que
quis dizer.
Dei o exemplo do desmonte do
morro do Castelo, aqui no Rio. Um
dos empreiteiros ganhou tanto dinheiro que comprou um castelo na
Espanha -e não foi molestado nem
pela imprensa nem pela Justiça. O
inquérito para apurar as bandalheiras resumiu-se em punir o pessoal
de baixo, que gastava muito lápis
nas anotações dos burros que levavam a terra do desmonte para jogar
na baía.
Umas pelas outras, as CPIs costumam terminar de dois modos: ou na
suculenta pizza que conhecemos,
ou botando a culpa em laranjas e lobistas que atuam nos bastidores.
Verdade que ninguém mais compra
castelos na Espanha. Mas os paraísos fiscais estão cheios de contas
cujos titulares secretos são ou foram autoridades no Brasil.
Uma CPI para apurar a farra dos
cartões pode ser um boi de piranha,
aquele mártir que é jogado no rio
para ser devorado pelas piranhas
enquanto o resto da boiada passa
tranqüilamente para a outra margem do rio.
Pela complexidade do novo escândalo, que envolve milhares de
pessoas e quantias que partem de
R$ 1 (um copo de água mineral tomado por uma servidora) e, somadas, chegam aos milhões de reais, é
certo que o ano, no Congresso e na
mídia, será dedicado aos depoimentos, provas e contraprovas, alimentando as piranhas de sempre, que
cumprirão o seu dever enquanto a
boiada mais gorda passará mais
uma vez incólume.
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