São Paulo, terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Boi de piranha

RIO DE JANEIRO - Alguns leitores estranharam a crônica que publiquei no último domingo ("A farra dos lápis").
Na unanimidade da mídia e das cartas à Redação, condenando com o vocabulário mais radical o uso e o abuso dos cartões corporativos, o meu texto poderia dar a impressão de que minimizava o escândalo. Bastaria uma leitura atenta (e inteligente) para compreender o que quis dizer.
Dei o exemplo do desmonte do morro do Castelo, aqui no Rio. Um dos empreiteiros ganhou tanto dinheiro que comprou um castelo na Espanha -e não foi molestado nem pela imprensa nem pela Justiça. O inquérito para apurar as bandalheiras resumiu-se em punir o pessoal de baixo, que gastava muito lápis nas anotações dos burros que levavam a terra do desmonte para jogar na baía.
Umas pelas outras, as CPIs costumam terminar de dois modos: ou na suculenta pizza que conhecemos, ou botando a culpa em laranjas e lobistas que atuam nos bastidores. Verdade que ninguém mais compra castelos na Espanha. Mas os paraísos fiscais estão cheios de contas cujos titulares secretos são ou foram autoridades no Brasil.
Uma CPI para apurar a farra dos cartões pode ser um boi de piranha, aquele mártir que é jogado no rio para ser devorado pelas piranhas enquanto o resto da boiada passa tranqüilamente para a outra margem do rio.
Pela complexidade do novo escândalo, que envolve milhares de pessoas e quantias que partem de R$ 1 (um copo de água mineral tomado por uma servidora) e, somadas, chegam aos milhões de reais, é certo que o ano, no Congresso e na mídia, será dedicado aos depoimentos, provas e contraprovas, alimentando as piranhas de sempre, que cumprirão o seu dever enquanto a boiada mais gorda passará mais uma vez incólume.


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