São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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IMPRESSÕES DIGITAIS

Está próximo , ao que tudo indica, aquele que será o marco zero da TV digital no Brasil: o decreto do presidente da República definindo a tecnologia de modulação do sistema que promete revolucionar as comunicações. A decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva está tomada em favor do padrão japonês.
Em si mesma, a opção por conduzir a toque de caixa a escolha da tecnologia que norteará o Sistema Brasileiro de TV Digital já demarca os interesses derrotados. Ficou em segundo plano a tarefa fundamental: elaborar um novo modelo de dispor de um bem público -a banda de transmissão- no contexto em que a digitalização vai multiplicar as oportunidades de uso desse espaço.
Não pode passar sem crítica a atuação do ministro das Comunicações ao longo do processo. Hélio Costa (PMDB-MG) não escondeu sua preferência por um dos padrões, quando seu papel teria de ser o de árbitro da disputa, a fim de maximizar concessões a favor do país, de seus cidadãos e de suas indústrias. Distanciando-se da sua condição de autoridade pública e aproximando-se do lobby, comportou-se como defensor dos interesses das redes de TV.
Surgiram dúvidas acerca da informação -que o ministério de Costa se contenta em repassar- de que uma contrapartida da escolha do padrão japonês seria o compromisso do país asiático de investir U$ 2 bilhões em uma fábrica de semicondutores no Brasil. Consultados, produtores do Japão não confirmaram o investimento. Dizem que se comprometeram a "estudar" o assunto.
Uma nova fábrica decerto amenizaria a expectativa de que os consumidores brasileiros devem pagar mais caro para converter seus televisores à nova tecnologia. O modelo não foi adotado em nenhum outro país a não ser no próprio Japão, o que limita a escala de produção e, por conseqüência, a queda de custos.
No futuro, a chamada convergência de mídias -o fim das fronteiras entre radiodifusão, telefonia e internet- vai impor-se de modo inexorável, levando de roldão todas as barreiras legais que hoje dificultam seu desenvolvimento no Brasil. As redes de TVs sabem que terão concorrência pesada quando isso acontecer. Portanto, não é pequena a vantagem que as emissoras conquistam nessa disputa estratégica com a escolha do padrão japonês. De saída, afastam a concorrência das companhias telefônicas, pois poderão transmitir conteúdo diretamente para celulares.
Disputas empresariais, porém, não deveriam ser o foco principal da atuação do poder público. Para a população, pouco importa se os interesses das telefônicas prevalecerão sobre os das emissoras ou vice-versa -como pouco relevante é a tecnologia escolhida.
A TV digital -seja no padrão europeu, seja no japonês- compacta a taxas altíssimas a informação a ser emitida e aumenta exponencialmente a capacidade de difusão de dados pelo ar. A faixa em que hoje trafega uma transmissão televisiva poderá ser ocupada por seis emissoras. Ainda que a maior parte do potencial extra seja usada para melhorar a qualidade da imagem (TV de alta definição), restará espaço para outros fins.
Abre-se uma oportunidade de democratizar a radiodifusão. O modelo de exploração da TV digital não pode partir do pressuposto de que a concessão que as redes detêm para transmitir imagens significa monopólio de uma faixa de freqüência. Essa é a discussão que mais interessa à sociedade. Ela transcende disputas circunstanciais entre padrões tecnológicos ou setores empresariais.


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