São Paulo, domingo, 12 de abril de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A voz sensata do Brasil na crise

MAKHTAR DIOP


O consenso é que o Brasil estará entre os países que devem superar a crise e retomar o crescimento com maior rapidez


O BRASIL se depara com uma crise importada dos países desenvolvidos, de enormes proporções e pela qual o país não tem responsabilidade. Pela primeira vez, uma crise que ameaça reverter progressos sociais e econômicos importantes em muitos países encontra o Brasil mais forte e preparado.
Hoje, o consenso é que o Brasil estará entre os países que devem superar a crise e retomar o crescimento com maior rapidez, sendo inclusive fator de estabilidade para a normalização do comércio e dos fluxos financeiros. No pior da crise, o Brasil mostrou liderança e deu sinais inequívocos de rejeição da tentação protecionista, ajudando a dar um exemplo.
Um dos efeitos da crise financeira internacional é que ela revela lideranças regionais e mundiais. O Brasil está emergindo como uma voz clara e pragmática sobre a forma de lidar com a crise e como evitar que os profundos problemas que a geraram -e que condenam muitos países ao retrocesso social e econômico- deixem de ser equacionados.
Nesse contexto, a voz do Brasil precisa e vem sendo ouvida. Suas propostas para uma melhor regulação do mercado financeiro global e a reativação dos fluxos para os países em desenvolvimento traduzem visão compartilhada por muitos outros países, sobretudo os emergentes. Da mesma forma, as propostas de estratégias para lidar com os ativos "tóxicos", inclusive repensando o papel do Estado, e iniciativas para coibir o protecionismo e retomar a Rodada Doha são representativas, tiveram acolhida positiva e devem informar diversas das reformas a serem implementadas.
A recente reunião do G20, em que a posição do Brasil foi um dos principais destaques, demonstrou isso claramente. Da mesma forma, a realização da reunião regional do Fórum Econômico Mundial no Rio nesta semana é sintomática da importância e legitimidade da voz do país no contexto internacional. Foi-se o tempo em que o Brasil era a primeira vítima dos sobressaltos internacionais e estava entre os últimos a se recuperar.
Isso só foi possível por um longo processo de reformas econômicas e sociais adequadas ao contexto e possibilidades de cada momento. Embora sempre possam ser aperfeiçoadas e expandidas, essas reformas e ações lograram enorme redução na vulnerabilidade do país e tiraram milhões de pessoas da miséria, promovendo a inclusão e a cidadania e reduzindo a histórica desigualdade de renda.
Em casa, devido à estabilidade macroeconômica obtida pelo Brasil, o país pôde adotar ações anticíclicas de estímulo econômico. Nas áreas monetária/de crédito, foi possível baixar o custo do dinheiro e criar novas linhas de crédito. Na área fiscal, houve o aumento no número de alíquotas no Imposto de Renda, tornando-o mais eficiente e equitativo, e reduções temporárias no IPI para estimular setores em dificuldades. Em conjunto, essas ações reativaram o crédito, o consumo e as exportações.
Também foram tomadas medidas para proteger a população contra a desaceleração do crescimento. O PAC e o Bolsa Família, embora pensados para um contexto diferente do atual, são instrumentos fundamentais para abrandar o impacto da crise em 2009 e possibilitar uma retomada vigorosa do crescimento em 2010, ocupando espaços no cenário internacional.
A lição é que investimentos bem dirigidos são tão importantes quanto reformas ao se lidar com a crise. A capacidade que o Brasil tem demonstrado em lidar com a crise deixa o país em situação privilegiada para mais avanços. A alta capitalização e a baixa alavancagem do mercado financeiro são prudentes, mas representam tanto uma regulamentação adequada quanto um setor pouco desenvolvido. O crédito habitacional no Brasil é muito inferior às médias regionais e mundiais. O programa habitacional recém-anunciado é um passo importante para impulsionar o setor e o crescimento.
Da mesma forma, o já grande mercado doméstico do Brasil é um eficiente amortecedor contra choques externos, e o país vem adotando medidas para potencializar seu crescimento e sua competitividade com uma crescente integração e abertura de novos mercados. Nesse sentido, a esperada rápida retomada do crescimento brasileiro após a crise é uma oportunidade única para o Brasil.
Embora continue a sentir os efeitos da crise internacional, o Brasil tem sido uma voz sensata sobre a melhor forma de enfrentá-la e utilizá-la como uma oportunidade para melhorar a arquitetura financeira internacional, possibilitando que os países em desenvolvimento tenham mais voz nas questões internacionais que os afetam. O Banco Mundial é parceiro do governo do Brasil e em especial da equipe econômica nessas agendas.

MAKHTAR DIOP, 48, economista, mestre em finanças pela Escola Superior de Ciências Comerciais Aplicadas de Paris (França), é diretor do Banco Mundial para o Brasil. Foi ministro da Economia e Finanças do Senegal.


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