São Paulo, Segunda-feira, 12 de Abril de 1999
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CONFUSÃO ELÉTRICA

Completou-se ontem um mês desde que metade do país foi lançada na escuridão pelo maior blecaute de sua história. Mas ainda não se sabe se os maiores desacertos governamentais aconteceram antes, durante ou após a ocorrência. As autoridades do setor elétrico nada conseguem -ou nada pretendem- explicar. Tudo é desinformação, descaso, desplante.
Nas mais de quatro horas de apagão, nem o ministro das Minas e Energia, Rodolpho Tourinho, nem autoridade alguma do primeiro escalão de Brasília dirigiu palavras de orientação ao público. De duração por si só inusitada, indicativa de despreparo diante da emergência, o blecaute decerto teria tido consequências muito mais graves se ocorrido num final da tarde.
Em seguida, o governo federal consumiu o intervalo inacreditável de 20 horas e 29 minutos para sair-se com a explicação que suscitou imediato descrédito: um raio na subestação de Bauru (SP). Desde então, a causa apontada vem apresentando mais furos do que o isolador fotografado na subestação como suposta prova da descarga atmosférica. Especialistas e sistemas de monitoramento de raios descartam que um deles tenha caído no local. O dano na peça de metal, sabe-se agora, é compatível com um curto-circuito na subestação provocado por outras causas.
Se a posteriori a versão não se sustenta, como se explica que tenha sido apresentada como fato inquestionável ao público na primeira hora, o momento de maior insegurança e incerteza para todos? Má-fé e irresponsabilidade tornam-se hipóteses crescentemente plausíveis, diante da renitente omissão governamental.
Outra possibilidade é que administradores do sistema elétrico tenham sentido a obrigação de ocultar a chocante vulnerabilidade do setor, quiçá para não dar argumentos a adversários da privatização, o que seria estultice. O próprio Ministério das Minas e Energia estima que sejam necessários investimentos de R$ 30 bilhões no próximo biênio para dar estabilidade ao sistema, cifra fora do alcance de um Estado depauperado.
Mais de 30 dias após o apagão, o governo federal ainda não cumpriu com a obrigação mínima de prestar esclarecimentos completos. A persistir na confusão maliciosa, terminará por inculcar na sociedade a convicção de que não se constrange em reservar-lhe o papel de palhaço.


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