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CARLOS HEITOR CONY
Gregos e troianos
RIO DE JANEIRO - Não me darei ao respeito de ver "Tróia", a mais recente, mas não a última, superprodução do cinema, sobretudo numa data como a de hoje, que a tradição mais recente dedica aos namorados. O rapto
de Helena, que provocaria a guerra
entre gregos e troianos, nunca me
sensibilizou.
Havia um Heitor na história, um
cavalo de pau e um calcanhar atribuído a Aquiles. Nada emocionante,
haveria mulheres mais belas do que
Helena, Heitor teve o cadáver arrastado diante dos muros da cidade e o
cavalo virou metáfora quando se
pensa em presente de grego.
Dos meus tempos de seminário,
sempre desdenhei a "Ilíada", preferindo a "Odisséia", maior empatia
com Ulisses do que com Aquiles e
com o meu xará troiano. E, entre Helena e Penélope, se tivesse de escolher,
ficaria com esta última, que não seria
a mais bela, mas era fiel e, sobretudo,
sabia esperar.
O amor, no fundo, é uma espera,
longa às vezes, longuíssima quase
sempre. Nada mais antiamor do que
a pressa, a afobação. Antes dos gregos, os judeus tiveram Jacó, que não
era rei de Tróia nem viajante, mas
simples pastor que serviu sete anos a
Labão, pai de Raquel, serrana e bela,
mas não servia ao pai, servia a ela,
pois a ela só por prêmio pretendia.
Como sabemos, Labão usou de cautela e, em lugar de Raquel, deu-lhe
Lia. Nem por isso Jacó tirou o time de
campo, começou a servir outros sete
anos e mais serviria se não fosse para
tão longo amor tão curta a vida.
Voltando a Homero, num cruzeiro
pelo Mediterrâneo, passei por lugares
que marcaram a aventura de Ulisses.
Avistei Ítaca, um pouco maior do que
a nossa Paquetá, e não me emocionei. Mas, lá para cima, nas águas que
estouraram do seio daquelas rochas
que cercam Positano, nem precisei
me amarrar como o herói da Odisséia no mastro do Costa Romantica
para não me precipitar no abismo
onde as sereias me chamavam com
seus pérfidos cantos. O amor sabe a
hora.
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