São Paulo, sábado, 12 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

Gregos e troianos

RIO DE JANEIRO - Não me darei ao respeito de ver "Tróia", a mais recente, mas não a última, superprodução do cinema, sobretudo numa data como a de hoje, que a tradição mais recente dedica aos namorados. O rapto de Helena, que provocaria a guerra entre gregos e troianos, nunca me sensibilizou.
Havia um Heitor na história, um cavalo de pau e um calcanhar atribuído a Aquiles. Nada emocionante, haveria mulheres mais belas do que Helena, Heitor teve o cadáver arrastado diante dos muros da cidade e o cavalo virou metáfora quando se pensa em presente de grego.
Dos meus tempos de seminário, sempre desdenhei a "Ilíada", preferindo a "Odisséia", maior empatia com Ulisses do que com Aquiles e com o meu xará troiano. E, entre Helena e Penélope, se tivesse de escolher, ficaria com esta última, que não seria a mais bela, mas era fiel e, sobretudo, sabia esperar.
O amor, no fundo, é uma espera, longa às vezes, longuíssima quase sempre. Nada mais antiamor do que a pressa, a afobação. Antes dos gregos, os judeus tiveram Jacó, que não era rei de Tróia nem viajante, mas simples pastor que serviu sete anos a Labão, pai de Raquel, serrana e bela, mas não servia ao pai, servia a ela, pois a ela só por prêmio pretendia. Como sabemos, Labão usou de cautela e, em lugar de Raquel, deu-lhe Lia. Nem por isso Jacó tirou o time de campo, começou a servir outros sete anos e mais serviria se não fosse para tão longo amor tão curta a vida.
Voltando a Homero, num cruzeiro pelo Mediterrâneo, passei por lugares que marcaram a aventura de Ulisses. Avistei Ítaca, um pouco maior do que a nossa Paquetá, e não me emocionei. Mas, lá para cima, nas águas que estouraram do seio daquelas rochas que cercam Positano, nem precisei me amarrar como o herói da Odisséia no mastro do Costa Romantica para não me precipitar no abismo onde as sereias me chamavam com seus pérfidos cantos. O amor sabe a hora.


Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: O PT com nada
Próximo Texto: Luciano Mendes de Almeida: Jesus Cristo, presente entre nós
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.