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A torre do Masp e a torre Eiffel
ADIB JATENE
Se existisse na época entidade com poder de veto como o nosso Conpresp, certamente a torre Eiffel não teria sido construída
RECENTEMENTE PUBLIQUEI
neste jornal artigo com o título
"A torre do Masp". Referia-me à
proibição, pelo Conpresp, do projeto
do Masp de construir uma torre, com
mirante situado a 120 metros acima
do nível da av. Paulista, permitindo
uma visão ampla não só da cidade de
São Paulo mas também de toda a área
metropolitana. Seria, além de uma
atração turística, solução capaz de
viabilizar financeiramente o museu.
O prédio sobre o qual se construiria
a torre encontra-se abandonado há
anos, deteriorado e enfeiando a av.
Paulista. O projeto foi bem recebido
por arquitetos, entidades e personalidades que enxergam nele atração que
existe em muitas grandes cidades do
mundo e confirmam o interesse das
pessoas em sua visitação.
O Masp conseguiu patrocínio privado que lhe permitiu adquirir o prédio, garantir sua adaptação para uma
escola de arte, abrangendo vários
campos de atividade em nível de pós-graduação, área na qual o país é carente. Tudo sem apelar seja para incentivos da Lei Rouanet ou para desconto
no Imposto de Renda.
Não há exemplo de doação de tal
vulto para área cultural por entidades
privadas. A única contrapartida pleiteada pelos doadores seria a vinculação do nome da empresa ao empreendimento por período de dez anos.
Assinalava, no artigo, que a prevalecer o veto do Conpresp, o Masp teria
de devolver os recursos obtidos, perdendo a única oportunidade de crescimento e ampliação.
A apelação apresentada ao próprio
Conpresp não foi aceita, obrigando o
Masp a entrar na Justiça para fazer
prevalecer o que consideramos nosso
direito. Na petição, feita pelo escritório do jurista Ives Gandra Martins, há
a citação de trecho do manifesto publicado em 1887 no jornal "Le
Temps", de Paris, sob o título "Protestation contre la tour de M. Eiffel", que
vou me permitir transcrever a seguir
em tradução livre.
"Nós, escritores, pintores, escultores, arquitetos amadores apaixonados pela beleza até aqui intacta de Paris, vimos protestar com todas as nossas forças, com toda a nossa indignação, em nome do bom gosto francês,
ao qual não se está fazendo justiça, em
nome da arte e da história francesa
ameaçadas, contra a ereção, em pleno
coração de nossa capital, da inútil e
monstruosa torre Eiffel, que a língua
ferina do povo, freqüentemente impregnada de bom senso e de espírito
de justiça, já batizou de torre de Babel. A cidade de Paris vai associar-se,
por período tão longo, às bizarras e
mercantilistas idéias de um construtor de máquinas, para se enfeiar irreparavelmente e se desonrar?
"É suficiente, ademais, para que se
renda conta do que antevemos, imaginar um instante uma torre vertiginosamente ridícula, dominando Paris, como uma negra e gigantesca chaminé de usina, humilhando com seu
vulto bárbaro todos os nossos monumentos, amesquinhando toda nossa
arquitetura, fazendo-os desaparecer.
"Desse sonho absurdo, e durante
20 anos [quando se previa desmontar
a torre], veremos se alongar sobre a
cidade inteira, na qual freme o gênio
de tantos séculos , como uma mancha
de tinta, odiosa coluna de ferros aparafusados."
Completa Ives Gandra: ao contrário das apreciações e vaticínios então
lançados, a torre Eiffel não conspurcou a arquitetura de Paris. Antes, tornou-se símbolo dessa maravilhosa cidade, recebendo por ano milhões de
visitantes e sendo responsável por
grande parte da receita municipal.
Consta que Guy de Maupassant,
grande opositor da torre Eiffel, defendia a sua demolição. Questionado sobre o hábito de freqüentemente almoçar no restaurante da torre respondia que era o único lugar em Paris
em que podia olhar todo o horizonte
sem o perigo de ver a torre Eiffel.
Existisse à época entidade com poder de veto como o nosso Conpresp,
certamente a torre Eiffel não seria
construída.
Reitero o que disse no outro artigo.
Espero, sinceramente, que a Justiça
nos permita oferecer à cidade um novo atrativo turístico e possibilite ao
Masp sua única oportunidade de ampliação e de importante contribuição
para sua independência financeira.
ADIB D. JATENE, 77 anos, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho Deliberativo do Masp.
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