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GUSTAVO FRANCO
O ocaso do modelo fáustico
NO INÍCIO DA REPÚBLICA,
foi tamanha a efervescência
empresarial, e especulativa,
que se disse que o espírito do capitalismo finalmente chegara ao Brasil, porém desacompanhado da ética protestante. Pouco mais de um
século depois, o mesmo comentário parece atual, e fácil de ser exagerado.
Foram vários os surtos de modernização no primeiro século da
República. De todos esses episódios sempre se poderá dizer que
houve "destruição criadora", e no
Brasil em particular, era sempre
comum que se apresentassem vítimas do progresso, inocentes e culpadas, a pleitear indenizações.
A introdução do bonde elétrico
no Rio, por exemplo, aumentou a
velocidade no transporte urbano, e
em seus primeiros dias um casal de
anciãos foi atropelado ao atravessar as linhas. Machado de Assis
cronista observou que não devíamos "concluir contra a eletricidade. Logicamente teríamos de condenar todas as máquinas e, visto
que há naufrágios, queimar todos
os navios".
Mas, além de perdedores, o progresso também produz predadores, como descrito na famosa parte
2 do Fausto, escrita ao final da vida
de Goethe, onde se enxerga um tipo muito particular de capitalismo,
que um especialista (Marshall Berman) viria a chamar de "modelo
fáustico de desenvolvimento".
Neste figurino, "em vez de deixar
empresários e trabalhadores se
desperdiçarem em migalhas e atividades competitivas o modelo...
criará uma nova síntese histórica
entre poder público e poder privado, simbolizada na união de Mefistófeles, o pirata e predador privado, que executa a maior parte do
trabalho sujo, e Fausto, o administrador público, que concebe e dirige o trabalho como um todo".
A alegoria é muito rica, mas o perigo a evitar é a condenação do modo de produção capitalista em geral, e de políticas públicas específicas como a privatização, a liberalização, as reformas e mesmo a política industrial. A presença do fraudador não deve servir para invalidar nenhuma dessas políticas; é
certo, inclusive, que no modo de
produção socialista há muito mais
pirata do que nas economias de
mercado.
O acidente com o bonde elétrico,
assim como o pirata e a fraude, não
são parte necessária do progresso.
A idéia de que o desenvolvimento brasileiro, no que depende de
mecanismos de mercado, precisa
ser feito com prejuízo da ética é puro preconceito e falácia semelhante à noção de que a inflação era um
lubrificante ou combustível necessário ao capitalismo brasileiro.
gh.franco@uol.com.br
GUSTAVO FRANCO 0escreve aos sábados nesta
coluna.
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