|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A implementação das políticas socioeducativas
indica a maturidade do ECA, que completa 18 anos?
NÃO
Maturidade e responsabilização
PAULA MIRAGLIA
O ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente) completa 18
anos e, no entanto, não cabe o
trocadilho fácil sobre eventual "maturidade da legislação". Ao contrário
da autonomia que a imagem da maioridade pode evocar, o que o ECA demanda de fato é a supervisão e o compromisso do conjunto da sociedade.
Ao longo desses 18 anos, mesmo
dispondo de uma legislação eficiente,
a sociedade brasileira se aprimorou
na produção e reprodução da violência, sobretudo aquela contra crianças
e adolescentes. Episódios sucessivos
e as altas taxas de homicídio entre jovens evidenciam, de forma inquestionável, o lugar preferencial de vítima
que essa parcela da população ocupa.
Com efeito, é da sociedade como
um todo e do poder público que devemos cobrar maturidade e responsabilização no que se refere à garantia de
direitos de crianças e adolescentes.
Em se tratando do ato infracional,
temos hoje uma realidade nacional
bastante heterogênea. Em alguns
poucos Estados e municípios, observamos uma reorganização institucional capaz de garantir que o sistema de
Justiça, bem como a execução das
medidas em meio fechado e aberto,
seja garantidor de direitos.
Em se tratando de políticas públicas, é preciso também falar em eficácia, alcance dos serviços e garantias
de direitos, e é inegável que, do ponto
de vista das políticas, temos hoje uma
agenda positiva. A aprovação do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo), que regulamenta a
execução das medidas socioeducativas, fornece diretrizes claras que contemplam, entre outras coisas, projetos pedagógico e arquitetônico, a qualificação dos funcionários, a participação da família, da comunidade e do
próprio adolescente nesse processo.
A municipalização das medidas em
meio aberto, se encarada pelas prefeituras como prioridade, pode garantir
efetivos processos de ressocialização
dos jovens em conflito com a lei.
Experiências inovadoras no âmbito
do Poder Judiciário, tais como a Justiça restaurativa, desafiam aqueles
que enxergam o controle social punitivo como a única saída viável. A consolidação das Defensorias Públicas e
dos Centros de Defesa pelo país tem
cumprido um papel cada vez mais importante na garantia do devido processo legal e do amplo direito a defesa.
Mas, infelizmente, na maior parte
do país, o cenário ainda é caracterizado por inúmeras violações de direitos,
tais como adolescentes privados de liberdade em presídios e delegacias, o
não-respeito aos 45 dias de internação provisória e medidas socioeducativas que privilegiam o aparato repressivo e punitivo, revelando a incapacidade institucional de contribuir
para que o adolescente seja capaz de
reconstruir um projeto de vida alternativo ao envolvimento com o universo infracional.
No Estado de São Paulo, onde estão
mais de 50% dos adolescentes internados, pudemos observar avanços
nos últimos anos, como a descentralização das unidades, permitindo que
adolescentes cumpram as medidas
mais próximos de suas famílias e em
unidades menores e mais adequadas.
Por outro lado, ainda se tem notícias de um cotidiano de supressão de
direitos, com altíssimas doses de violência sendo infligidas aos internos.
Recentemente, um grupo de organizações não-governamentais garantiu na Justiça que a Fundação Casa
(antiga Febem) "seja obrigada a adotar política de transparência, criando
normas que garantam o acesso e a fiscalização de suas unidades de internação" por parte de organizações da
sociedade civil, o que evidencia que
esses ainda são espaços fechados e resistentes ao controle externo.
A má aplicação do ECA desfigurou
seu potencial, e a legislação chega à
maioridade desgastada, sem ter tido a
chance de ser implementada integralmente. Nesse sentido, se a responsabilidade é um traço da maturidade, que os 18 anos do ECA sejam
um marco de responsabilização compartilhada em torno de políticas capazes de, finalmente, transformar positivamente a realidade brasileira.
PAULA MIRAGLIA , 34, cientista social, doutora em antropologia social pela USP, é diretora-executiva do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Berenice Giannella: A caminho da maturidade
Índice
|