São Paulo, sábado, 12 de julho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A implementação das políticas socioeducativas indica a maturidade do ECA, que completa 18 anos?

NÃO

Maturidade e responsabilização

PAULA MIRAGLIA

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) completa 18 anos e, no entanto, não cabe o trocadilho fácil sobre eventual "maturidade da legislação". Ao contrário da autonomia que a imagem da maioridade pode evocar, o que o ECA demanda de fato é a supervisão e o compromisso do conjunto da sociedade.
Ao longo desses 18 anos, mesmo dispondo de uma legislação eficiente, a sociedade brasileira se aprimorou na produção e reprodução da violência, sobretudo aquela contra crianças e adolescentes. Episódios sucessivos e as altas taxas de homicídio entre jovens evidenciam, de forma inquestionável, o lugar preferencial de vítima que essa parcela da população ocupa.
Com efeito, é da sociedade como um todo e do poder público que devemos cobrar maturidade e responsabilização no que se refere à garantia de direitos de crianças e adolescentes.
Em se tratando do ato infracional, temos hoje uma realidade nacional bastante heterogênea. Em alguns poucos Estados e municípios, observamos uma reorganização institucional capaz de garantir que o sistema de Justiça, bem como a execução das medidas em meio fechado e aberto, seja garantidor de direitos.
Em se tratando de políticas públicas, é preciso também falar em eficácia, alcance dos serviços e garantias de direitos, e é inegável que, do ponto de vista das políticas, temos hoje uma agenda positiva. A aprovação do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), que regulamenta a execução das medidas socioeducativas, fornece diretrizes claras que contemplam, entre outras coisas, projetos pedagógico e arquitetônico, a qualificação dos funcionários, a participação da família, da comunidade e do próprio adolescente nesse processo.
A municipalização das medidas em meio aberto, se encarada pelas prefeituras como prioridade, pode garantir efetivos processos de ressocialização dos jovens em conflito com a lei.
Experiências inovadoras no âmbito do Poder Judiciário, tais como a Justiça restaurativa, desafiam aqueles que enxergam o controle social punitivo como a única saída viável. A consolidação das Defensorias Públicas e dos Centros de Defesa pelo país tem cumprido um papel cada vez mais importante na garantia do devido processo legal e do amplo direito a defesa.
Mas, infelizmente, na maior parte do país, o cenário ainda é caracterizado por inúmeras violações de direitos, tais como adolescentes privados de liberdade em presídios e delegacias, o não-respeito aos 45 dias de internação provisória e medidas socioeducativas que privilegiam o aparato repressivo e punitivo, revelando a incapacidade institucional de contribuir para que o adolescente seja capaz de reconstruir um projeto de vida alternativo ao envolvimento com o universo infracional.
No Estado de São Paulo, onde estão mais de 50% dos adolescentes internados, pudemos observar avanços nos últimos anos, como a descentralização das unidades, permitindo que adolescentes cumpram as medidas mais próximos de suas famílias e em unidades menores e mais adequadas.
Por outro lado, ainda se tem notícias de um cotidiano de supressão de direitos, com altíssimas doses de violência sendo infligidas aos internos. Recentemente, um grupo de organizações não-governamentais garantiu na Justiça que a Fundação Casa (antiga Febem) "seja obrigada a adotar política de transparência, criando normas que garantam o acesso e a fiscalização de suas unidades de internação" por parte de organizações da sociedade civil, o que evidencia que esses ainda são espaços fechados e resistentes ao controle externo.
A má aplicação do ECA desfigurou seu potencial, e a legislação chega à maioridade desgastada, sem ter tido a chance de ser implementada integralmente. Nesse sentido, se a responsabilidade é um traço da maturidade, que os 18 anos do ECA sejam um marco de responsabilização compartilhada em torno de políticas capazes de, finalmente, transformar positivamente a realidade brasileira.


PAULA MIRAGLIA , 34, cientista social, doutora em antropologia social pela USP, é diretora-executiva do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente).

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