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ANTONIO DELFIM NETTO
Choques de oferta
O ano de 2001 começou com as
melhores perspectivas do ponto
de vista do crescimento (4,5%) e do
ponto de vista da inflação (4%). Infelizmente, ainda se projetava um formidável déficit em conta corrente
(US$ 27 bilhões). Esperava-se, entretanto, que boa parte dele fosse financiado pela continuidade dos investimentos diretos. A situação internacional ficou mais volátil com os problemas da Turquia, da Argentina e da redução generalizada do crescimento
econômico no mundo. Graças a um
choque de oferta agrícola no primeiro
trimestre, a um ajustamento da taxa
cambial iniciado em março e a um
substancial aumento das tarifas de
serviço público, perdeu-se o objetivo
inflacionário de 4%. O Banco Central
tem lutado para manter a taxa dentro
do limite superior da meta (6%). Tal
esforço é necessário porque, no sistema de metas inflacionárias, o comprometimento da autoridade deve ser absoluto.
Há duas observações: 1) a meta inflacionária deve ser respeitada. Os eventuais desvios devem ser tratados com
relação ao tempo que se estima que
eles devam levar para convergir a ela.
Não é muito importante que eles sejam eliminados em um, em dois, em
seis ou em dez meses desde que haja
segurança de que o limite superior
(6%) não seja ultrapassado por longo
período. Pode-se escolher a velocidade da convergência sem que se cause
sérias repercussões sobre a eficiência
alocativa da economia, pois há suficiente suporte empírico para mostrar
que inflações de um dígito criam distorções imperceptíveis nos preços relativos; 2) quase metade dos aumentos
de preços foi produzida por choques
de oferta (agricultura e tarifas de serviço público), que tendem a se corrigir
automaticamente (agricultura) ou a
desaparecer (por uma contingência
estatística depois de 12 meses). Os dois
cortam o salário real, uma vez que o
agente aumenta o dispêndio com esses produtos dentro de uma renda que
tem diminuído. Boa parte desses aumentos não tem, portanto, efeitos secundários importantes: esgota-se diretamente no orçamento das famílias.
A situação ficou pior a partir de
maio, quando o "apagão" foi revelado
como uma "surpresa", com graves
consequências sobre a credibilidade
do governo. O Banco Central está enfrentando uma situação de extrema
delicadeza produzida pela acumulação de todos esses choques: o agrícola,
a violenta flutuação do câmbio nominal produzido pela interminável crise
argentina e suas repercussões sobre as
tarifas dos serviços públicos.
Tudo isso sugere que tenha havido
um exagero na manipulação da taxa
de juros a partir de março, porque a
demanda global já estava revelando
fraqueza desde janeiro. Seus efeitos
sobre o câmbio foram muito pequenos, mas ele é ingrediente fundamental no aumento da dívida pública. Se a
meia-sola que o FMI forneceu à Argentina produzir algum efeito, a situação poderá melhorar. Como isso não é
seguro, foi correta a decisão do governo de renovar o acordo com o FMI,
que empurrou com a barriga nossos
problemas externos.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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