São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTONIO DELFIM NETTO

Choques de oferta

O ano de 2001 começou com as melhores perspectivas do ponto de vista do crescimento (4,5%) e do ponto de vista da inflação (4%). Infelizmente, ainda se projetava um formidável déficit em conta corrente (US$ 27 bilhões). Esperava-se, entretanto, que boa parte dele fosse financiado pela continuidade dos investimentos diretos. A situação internacional ficou mais volátil com os problemas da Turquia, da Argentina e da redução generalizada do crescimento econômico no mundo. Graças a um choque de oferta agrícola no primeiro trimestre, a um ajustamento da taxa cambial iniciado em março e a um substancial aumento das tarifas de serviço público, perdeu-se o objetivo inflacionário de 4%. O Banco Central tem lutado para manter a taxa dentro do limite superior da meta (6%). Tal esforço é necessário porque, no sistema de metas inflacionárias, o comprometimento da autoridade deve ser absoluto.
Há duas observações: 1) a meta inflacionária deve ser respeitada. Os eventuais desvios devem ser tratados com relação ao tempo que se estima que eles devam levar para convergir a ela. Não é muito importante que eles sejam eliminados em um, em dois, em seis ou em dez meses desde que haja segurança de que o limite superior (6%) não seja ultrapassado por longo período. Pode-se escolher a velocidade da convergência sem que se cause sérias repercussões sobre a eficiência alocativa da economia, pois há suficiente suporte empírico para mostrar que inflações de um dígito criam distorções imperceptíveis nos preços relativos; 2) quase metade dos aumentos de preços foi produzida por choques de oferta (agricultura e tarifas de serviço público), que tendem a se corrigir automaticamente (agricultura) ou a desaparecer (por uma contingência estatística depois de 12 meses). Os dois cortam o salário real, uma vez que o agente aumenta o dispêndio com esses produtos dentro de uma renda que tem diminuído. Boa parte desses aumentos não tem, portanto, efeitos secundários importantes: esgota-se diretamente no orçamento das famílias.
A situação ficou pior a partir de maio, quando o "apagão" foi revelado como uma "surpresa", com graves consequências sobre a credibilidade do governo. O Banco Central está enfrentando uma situação de extrema delicadeza produzida pela acumulação de todos esses choques: o agrícola, a violenta flutuação do câmbio nominal produzido pela interminável crise argentina e suas repercussões sobre as tarifas dos serviços públicos.
Tudo isso sugere que tenha havido um exagero na manipulação da taxa de juros a partir de março, porque a demanda global já estava revelando fraqueza desde janeiro. Seus efeitos sobre o câmbio foram muito pequenos, mas ele é ingrediente fundamental no aumento da dívida pública. Se a meia-sola que o FMI forneceu à Argentina produzir algum efeito, a situação poderá melhorar. Como isso não é seguro, foi correta a decisão do governo de renovar o acordo com o FMI, que empurrou com a barriga nossos problemas externos.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Porto Alegre - Carlos Heitor Cony: A terceira guerra
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.