São Paulo, terça-feira, 12 de setembro de 2006

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Paradoxo chinês

Dínamo da China excita ramos intensivos em natureza e energia no Brasil, mas inibe setores que empregam mais

OS VíNCULOS da economia chinesa com os vizinhos asiáticos e a elevada demanda por matérias-primas e energia dos países em desenvolvimento representam uma das principais fontes de dinamismo da economia mundial. Os EUA funcionam como "consumidores de última instância" da máquina de crescimento da periferia asiática.
Estimulada nesse processo, a indústria de base brasileira entra em um novo ciclo de investimentos. Desde 2003, os setores de química, siderurgia, mineração e papel e celulose operam próximos da plena capacidade produtiva, e os preços de seus produtos sobem no mercado global.
As empresas decidiram, então, tomar mais recursos nos mercados financeiros doméstico e internacional, com taxas de juros e prazos mais favoráveis, a fim de ampliar plataformas de produção. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) entrou com R$ 9,9 bilhões em 15 novos projetos.
Conforme esses investimentos progridam, estimularão outras rodadas de expansão ao longo das cadeias produtivas. A perspectiva de que os preços internacionais das mercadorias produzidas por esses setores permaneçam em patamar elevado ainda por um bom tempo sustenta visões otimistas quanto ao impacto desse ciclo de inversões.
O dinamismo da economia chinesa fomenta também as exportações brasileiras de commodities agrícolas e minerais. Esses movimentos podem garantir uma sobrevida para o superávit da balança comercial em tempos de câmbio desfavorável.
No entanto, a mesma China vai aumentando sua competitividade a passos largos em produtos intensivos em trabalho. Em ramos como têxteis, calçados, brinquedos e móveis, a valorização do real -enquanto a macroeconomia chinesa mantém o yuan depreciado à custa de centibilionárias intervenções no mercado de dólar- é perniciosa aos produtores brasileiros.
Já se observa uma queda expressiva na produção, nos investimentos e nas exportações de bens intensivos em trabalho. Não há avanços em setores mais ricos em tecnologia ou intensivos em escala que possam compensar aquela tendência.
Estudo do BNDES alerta para o risco de uma transferência generalizada de recursos para setores primários e para bens industriais especializados em recursos naturais. Se o real forte ajuda a estabilizar a inflação e a modernizar a indústria, barateando as importações de máquinas e equipamentos, pode conduzir à desestruturação de amplos setores da indústria brasileira.
O modo de interação da economia brasileira com o dínamo chinês talvez seja hoje o tema mais decisivo para o desenvolvimento do Brasil. Tem sido paupérrima a reação da elite política brasileira diante do leque de oportunidades e de ameaças gravíssimas que a afluência da China na América Latina vem acarretando. Que o tema não entre na propaganda eleitoral na TV, se compreende. Mas que seja ignorado no pensamento estratégico dos principais candidatos ao Planalto, isso é indesculpável.


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