São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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A implosão das agências reguladoras

SÉRGIO GUERRA


A orientação parece clara: é preciso minar o sistema de regulação herdado da gestão passada e ressuscitar o modelo intervencionista

AS AGÊNCIAS reguladoras são uma experiência recente no país. A primeira, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), mal completou 11 anos. Elas surgiram como parte da reestruturação econômica empreendida na década de 1990, com a exaustão da capacidade de investimento do Estado. Às agências reguladoras coube ordenar e prover os incentivos necessários à atuação eficiente do setor privado, ao mesmo tempo em que perseguiam o máximo bem-estar social.
Estabilidade, previsibilidade, autonomia decisória e orçamentária são requisitos fundamentais ao bom funcionamento de órgãos de regulação.
Qualidades que propiciam condições adequadas à realização dos investimentos privados em infra-estrutura.
Mesmo incipientes, as agências reguladoras já demonstraram capacidade de auxiliar o desenvolvimento econômico do país e gerar benefícios para milhões de consumidores.
É o caso, por exemplo, das telecomunicações, cujo salto nos últimos dez anos é sem precedente na história brasileira: em 2010 haverá mais telefones do que habitantes no país.
Esse paradigma, de evidente sucesso, vem sendo posto à prova. No atual governo, as agências reguladoras viram-se às voltas com todo tipo de dificuldade. A orientação parece clara: é preciso minar o sistema de regulação herdado da gestão passada e ressuscitar o velho modelo intervencionista.
Dia após dia, ação após ação, o modelo das agências reguladoras vem sendo desmontado. E como isso vem isso acontecendo?
Se a autonomia é essencial para um órgão regulador, o governo atuou para sufocá-la via restrições financeiras.
O dinheiro destinado à manutenção das agências provém de taxas específicas pagas pelos consumidores, mas é apartado pelo governo como se recurso orçamentário fosse. Dos R$ 39 bilhões destinados às agências nos seis últimos exercícios, 69% foram esterilizados em "reservas de contingência", ou seja, não foram investidos.
Se independência é precondição para a tomada de melhores decisões, o governo foi, aos poucos, instrumentalizando a direção de cada uma das dez agências e dando-lhes, cada vez mais, perfil político-partidário, e atributos técnicos deixaram de ser desejáveis. Os cargos de direção das agências tornaram-se porto seguro para acomodar apaniguados políticos. O caso da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) -única agência cujo processo de criação e instalação deu-se integralmente no governo do PT-, e sua primeira diretoria, é por demais ilustrativo.
Se agilidade e continuidade são preceitos de boa gestão, o governo adotou a lentidão como regra. Os cargos de direção passaram a ser preenchidos com imensas delongas: houve anos, como 2006, em que, na média, as cadeiras de direção das agências ficaram vagas durante quase um terço do ano. Para a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), recentemente, a indicação só foi feita pelo presidente da República sete meses depois de o cargo ter ficado vago. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) -que não é agência, mas também cuida de regulação- ficou sem deliberar por não dispor do quórum mínimo de membros.
Se previsibilidade é a regra de ouro dos investimentos produtivos internacionais, o governo tratou de miná-la, reduzindo as necessárias mudanças e aperfeiçoamentos no arcabouço legal dos setores regulados a um jogo de conveniência. A mudança no Plano Geral de Outorgas das telecomunicações abre a porta para operações financiadas por dinheiro público. Modernizar a legislação das telecomunicações é algo bem-vindo, mas tudo o que se viu até agora é o oposto do que os melhores preceitos indicam ser o adequado.
Esse é o ambiente com que hoje nos deparamos. Seus efeitos danosos não são mera retórica. Tome-se, por exemplo, os ingressos brutos de investimentos estrangeiros em infra-estrutura. Em 2007, eles chegaram à marca de US$ 3 bilhões, ou seja, menos da metade do que foram em 2002.
É dinheiro que nos faz falta: só o setor de telecomunicações exige inversão anual de R$ 13,5 bilhões.
As agências reguladoras se transformaram em braço operacional do Executivo. Com honrosas exceções, tais órgãos hoje meramente exprimem e executam visões de governo, não mais políticas de Estado. Tornaram-se aparelhos políticos sujeitos a ingerências partidárias. Desapareceu do horizonte a formulação de políticas e diretrizes estruturantes.
Em conseqüência, o interesse do consumidor tornou-se o menos relevante. É o renascimento de um antigo modelo: pouco transparente, discricionário, centralizado e intervencionista. Perde a sociedade brasileira, mas é certo que alguns poderão ganhar muito.


SÉRGIO GUERRA, economista, é senador da República pelo PSDB-PE e presidente nacional do PSDB.


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