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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Social-democracia
O discurso político dominante
no Brasil hoje é o da social-democracia européia. Na Europa, porém, fica cada vez mais patente a insuficiência da fórmula social-democrata para
lidar com os problemas atuais. Mais
razão para concluir que está errado o
subtexto da política brasileira. O que
definiu a formação da social-democracia no curso do século 20 foi o
abandono da tentativa de reorganizar
o Estado e o mercado em favor da
adoção de políticas de redistribuição
econômica e proteção social. Políticas
que humanizariam as instituições que
os social-democratas deixaram de
contestar.
Começa-se a compreender que essa
troca de passividade institucional por
compensação social não funciona. E
que, mesmo quando funciona, não
basta. Se não funciona ou não basta
para os europeus, muito menos pode
funcionar ou bastar para nós, dadas as
vastas desigualdades em que estamos
afundados. Os europeus têm de reorganizar a economia e a política. Nós
também, mas com maior urgência.
Em todas as sociais-democracias européias, a base social de acesso aos setores avançados da produção e do ensino se estreitou a tal ponto que só pequena minoria consegue ascender a
eles. As maiorias, ainda quando protegidas contra a insegurança econômica, estão condenadas a empregos rotineiros, sem futuro. Um dos corolários
é o ônus insustentável que se impõe às
finanças públicas, obrigadas a atenuar
as conseqüências de desigualdades estruturais avassaladoras. Seria preciso
construir novo repertório de formas
de colaboração entre os governos e a
iniciativa privada para ampliar o acesso aos setores de vanguarda. E para difundir as práticas econômicas vanguardistas, marcadas por experimentalismo radical e inovação permanente.
Em todas as sociais-democracias européias, os vínculos entre os indivíduos se enfraquecem. As pessoas pertencem a quatro mundos que não se
conhecem: o das empresas e das escolas mais adiantadas, o das antigas indústrias e dos pequenos empreendimentos tradicionais, o dos serviços
que cuidam dos jovens e inválidos e o
dos trabalhadores desempregados ou
temporários, muitos deles estrangeiros sem direito e sem respeito. O compromisso social se reduz à obrigação
de contribuir, por meio de impostos
elevados, ao financiamento dos direitos sociais, como se transferências de
dinheiro bastassem para assegurar
coesão social. Para assegurá-la, todo
adulto capaz, além de trabalhar no sistema produtivo, haveria de desempenhar tarefa social, ajudando a cuidar
de quem não possa cuidar de si. Os
mundos distanciados teriam de encontrar-se.
Em todas as sociais-democracias européias, a vida se apequena. Havia
grandeza na guerra, misturada com
selvageria. Agora na paz há comodidade com pequenez. Grandeza sem
guerra? Só com educação que forme
resistentes e construtores. E com Estado que ajude os cidadãos a atuar, como empreendedores, prestadores de
serviços ou voluntários, em todo o
mundo. A globalização de atividades e
de ambições abriria horizontes e intensificaria ambições, transformando
a vida nacional das sociedades mais
educadas e ricas.
A social-democracia européia é um
ídolo de barro. Em vez de adorá-lo,
tratemos de evitar seus erros. A política social serve para capacitar os cidadãos; ela não substitui a democratização do mercado e o aprofundamento
da democracia. Não precisamos de
açúcar. Precisamos de reconstrução.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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