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TENDÊNCIAS/DEBATES
Álcool: orgulho de ser brasileiro
ANTONIO CABRERA
O álcool traz de volta o devido valor ao homem do campo e força uma redução na distância entre
países ricos e pobres
"Cante a cidade que é sua, que eu canto o sertão que é meu."
(Patativa do Assaré)
A SABEDORIA rural afirma que
um raio não cai em pau deitado. Talvez essa assertiva seja o
melhor retrato do "teatro do etanol"
publicado nesta Folha ("Tendências/Debates", 2/10), pois é só um setor se destacar que infelizmente críticas mal colocadas tentam denegrir algo de que deveríamos nos orgulhar.
Para esses, a maior dificuldade não
está nas inovações que o setor apresenta, mas em escapar das idéias antigas, pois ainda se imagina o setor
sendo escravocrata, com "feitores"
das épocas passadas. Na realidade, o
álcool está trazendo de volta o devido
valor ao homem do campo e forçando
uma redução na distância entre países ricos e pobres.
Pode-se afirmar que o ignorante
não é aquele que nada sabe, mas
aquele que não sabe o que devia saber. Em primeiro lugar, tem-se o registro de uma redução das áreas plantadas com produtos agrícolas, mas,
na verdade, o setor deve ser avaliado
pela produção efetiva. Nos últimos 15
anos, o Brasil teve um aumento da
sua safra agrícola de 125%, com um
aumento de área de apenas 22%.
Resumindo, estamos produzindo a
maior safra sucroalcooleira da história, com uma produção recorde da safra agrícola e um estoque formidável
de terras para uso futuro, sem pensarmos na Amazônia ou no Pantanal.
Na questão do trabalho, o sertanejo
sabe que o "emprego não cai do céu,
mas pode brotar do chão", pois o setor da cana foi o principal promotor
na geração de empregos neste ano.
É claro que podemos melhorar a
qualidade desse emprego, bem como
sabemos que é um emprego rude,
mas longe de serem "obrigados" a esse tipo de trabalho forçado ou proibidos de fazer greves (que ocorreu no
início de safra em São Paulo).
O ponto a ser abordado é que esses
trabalhadores, pelo seu despreparo
para outras tarefas, têm infelizmente
nesse tipo de emprego ou na construção civil a principal porta de entrada
no mercado de trabalho. E a nós, mais
saudável e produtivo, caberia a missão de incentivar a realocação dessa
mão-de-obra, pois, nos próximos cinco anos, a mecanização trará um aumento no desemprego. Assim, pode-se perder o bom por querer o melhor,
pois, antes da terra prometida, precisamos atravessar o Jordão.
Acrescente-se que a NR 31 é uma
das normas trabalhistas mais exigentes, senão a mais, quanto à segurança
e ao bem-estar do trabalhador rural e
deve ser cumprida por todo o setor.
Mas não custa lembrar: alguém já
escreveu sobre as condições de trabalho nas minas de carvão da China
(que com tantos produtos abastece o
Brasil) ou nos campos de produção
de petróleo do Iraque e da Nigéria?
Convém ressaltar, ao contrário do
apregoado sem dados comparativos
com outros setores, a mortalidade de
trabalhadores na lavoura canavieira
está em 150º lugar no Brasil (a construção civil teve mais de 5.000 mortes nos últimos 14 anos) e a letalidade
nos canaviais está em 253º lugar. Já o
índice de acidentes de trabalho está
em 61º lugar e, quanto às doenças no
trabalho, ocupa a 491ª posição.
Tendo uma das mais altas remunerações do setor rural em SP, mais de
93% têm carteira assinada, enquanto
no Brasil não atingimos 50%. Mais
ainda, em nosso Estado, 95% das empresas possuem creche/berçário;
98% das empresas possuem refeitório; 86% oferecem alojamento para a
mão-de-obra de outras localidades;
84% das empresas já têm programas
de participação nos lucros ou resultados; 74,8% dos trabalhadores são naturais do Estado de São Paulo; e
58,3% dessas empresas já mantêm
empregados portadores de deficiência nos percentuais exigidos por lei.
Quanto à fuligem da cana queimada, apesar de pessoalmente ser favorável ao término das queimadas, ainda se utiliza tal recurso nos canaviais
dos EUA, da Austrália, da África do
Sul e de quase todos os cem países
que plantam cana-de-açúcar.
Os problemas e as dificuldades
apontadas são o preço do progresso,
mas sabemos que o pessimismo jamais ganhou uma batalha. Da mesma
maneira que Santos Dumont perdeu
a oportunidade do reconhecimento
na aviação, não vamos repetir o erro
por acusações infundadas, mas, sim,
nos esforçar para liderar no planeta
essa mudança de matriz energética.
Afinal, o homem do campo sabe
que o nó da cana não se chupa, mas
ele dá álcool, açúcar, energia e, principalmente, renda e emprego.
ANTONIO CABRERA, 47, médico veterinário, é produtor
de cana-de-açúcar. Foi ministro da Agricultura e Reforma
Agrária (governo Collor) e secretário da Agricultura e
Abastecimento do Estado de São Paulo (governo Covas).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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