São Paulo, quarta-feira, 12 de novembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O preço da folia
DEMÉTRIO MAGNOLI
A política externa do governo Lula tem seu foco no público interno, prefere a forma ao conteúdo e deleita-se com a luz dos holofotes. A obsessão pela influência mundial traduziu-se na campanha por uma cadeira de membro permanente no Conselho de Segurança da ONU. Os compromissos ideológicos da direção petista exprimiram-se na "operação Cuba". Lula introduziu no discurso diplomático a reivindicação explícita da "liderança natural" brasileira na América do Sul, uma velha cantiga da geopolítica militar. Toda essa folia sabota as chances brasileiras de exercer influência positiva na América do Sul. A campanha pela cadeira no CS está fora de lugar. Ela atrapalha as iniciativas positivas e ousadas, como o G20 na OMC e a "abertura para a África". Algumas potências européias emitem declarações protocolares de "simpatia", que carecem de implicação prática pelo simples fato de que o tema não está em debate na ONU. Constrangidos pelas insistentes solicitações do Itamaraty, países latino-americanos e africanos expressam "apoio" à pretensão brasileira apenas para consolidar relações políticas e comerciais com um país da importância do Brasil. Na Argentina, contudo, a oposição à ambição brasileira é o único consenso nacional e funciona como poderoso argumento dos que preferem se alinhar com a "Alca americana". A confraternização com Fidel Castro, que serviu como operação de cobertura das violações dos direitos humanos em Cuba, desacredita a coerência da diplomacia brasileira e o compromisso formal do Mercosul com a democracia. Ao lado das arrogantes proclamações de "liderança natural" e da obsessiva campanha pela cadeira no conselho, forma um obstáculo quase intransponível para o aprofundamento da cooperação política regional. Na região, da Venezuela à Argentina, passando pela Bolívia e pelo Equador, há uma onda incontrolável de insatisfação com a agenda política e econômica da administração Bush. A Organização dos Estados Americanos tornou-se um cadáver em adiantado estágio de putrefação. Existe uma janela de oportunidade histórica para a construção de uma organização sul-americana de segurança e cooperação, assentada sobre o princípio da democracia e capaz de enfrentar os desafios do narcotráfico e dos conflitos guerrilheiros. Mas o Brasil, única liderança disponível para esse empreendimento, prefere praticar uma diplomacia declamatória que flerta com a arrogância. Bush não acredita, seriamente, no "eixo do mal latino-americano". Seus porta-vozes oficiosos manipulam essa noção absurda como capangas contratados para cobrar dívidas. Eles estão dizendo que a "Alca americana" é o preço que o Brasil deve pagar pelo direito à folia. O Brasil já sacou o talão de cheques. Demétrio Magnoli, 44, doutor em geografia humana, é editor do jornal "Mundo - Geografia e Política Internacional" e pesquisador do Nadd-USP. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Amaury Castanho: João Paulo 2º e a igreja no Brasil Índice |
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