São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005

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DONOS DA RUA

A inoperância do poder público no cumprimento de suas atribuições vai estimulando uma espécie de sanha privatista nas camadas de maior poder aquisitivo da sociedade brasileira. Já que o ensino e a medicina pública são ruins, quem pode freqüenta colégios e hospitais particulares. Já que a polícia não funciona bem, quem pode contrata os serviços de empresas de segurança e até de policiais que "privatizam" a própria corporação.
Até mesmo as ruas -espaços públicos por excelência- vêm sendo transformadas em condomínios informais. Associações de moradores instalam cancelas e controlam o acesso de "estranhos" à via pública. Em alguns casos, chega-se a dispensar serviços como os de varrição e manutenção da rua, que passam a ser executados pelos moradores. Apenas no município de Cotia, na Grande São Paulo, já há 62 zonas desse tipo cadastradas na prefeitura.
Tudo isso tem, evidentemente, um custo, que, em geral, é rateado pelos moradores do "condomínio". O problema é que nem todos concordam com essa prática, e alguns se recusam a pagar. Associações estão agora acionando os moradores "rebeldes" na Justiça, tentando cobrar-lhes, em alguns casos, anos de boletos atrasados. Argumentam que, mesmo que não desejem, esses proprietários se beneficiam dos serviços prestados e têm seu imóvel valorizado pela existência do "condomínio".
É uma situação escandalosa. Esses condomínios informais de maneira nenhuma se confundem com os reais, em que o proprietário, antes de adquirir seu imóvel, concorda em sujeitar-se às regras acordadas. No mais, a Constituição é clara ao determinar que ninguém pode ser compelido a associar-se ou permanecer associado a nenhuma organização.
Compreende-se que as pessoas busquem alternativas às falhas nos serviços públicos, mas isso de modo nenhum as autoriza a agir como gângsteres que vendem "proteção forçada". A onda privatista tem como limite os direitos e garantias estabelecidos na Carta Magna.


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