São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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A reforma possível

Mudanças profundas no sistema político, pouco viáveis em curto prazo, não excluem a adoção de melhorias pontuais

COMO TANTOS outros temas, a "reforma política" encontra fácil receptividade na opinião pública e nos programas partidários -desde que seu significado se mantenha impreciso e conjetural. O detalhamento de quaisquer propostas nessa direção tende, contudo, a produzir rápidos focos de dissenso doutrinário, perplexidade técnica e impasse decisório.
A crise política vivida pelo país com o escândalo do mensalão recolocou o tema na pauta dos debates. Questões diversas se entrelaçaram no transcorrer das revelações: a fragilidade da base partidária do governo federal, os desmandos no financiamento das campanhas, o esfacelamento dos vínculos entre o eleitor e seus representantes, a prática desenfreada do fisiologismo e da corrupção.
Seria irrealista julgar que por meio de mudanças legislativas -ainda que amplas e radicais- se pudesse alcançar a solução para problemas que derivam, em grande parte, do grau ainda incipiente da cultura política brasileira. Restam dúvidas, ademais, quanto às perspectivas de sucesso de uma reforma política que fosse capaz de responder satisfatoriamente aos níveis exasperantes de disfuncionalidade e frouxidão do atual sistema.
A correção das disparidades na representação das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados, a adoção do voto facultativo e do sistema distrital misto, para nada dizer do distante ideal do parlamentarismo, compõem um elenco de reformas que, embora desejáveis, não parece capaz de conquistar rápido consenso ou pronta regulamentação.
Se a discussão de propostas mais profundas deve prosseguir nos próximos anos, é entretanto possível cogitar, desde já, uma série de aperfeiçoamentos pontuais, que não dependem de emenda à Constituição e de complexos esforços de reengenharia institucional.
Não faltam exemplos de iniciativas dessa ordem, algumas das quais já em tramitação no Legislativo. Mecanismos de maior transparência no financiamento das campanhas, que contemplem o acompanhamento on-line das doações aos candidatos; a supressão das emendas individuais ao Orçamento da União, que se constituíram em gazuas infalíveis da fisiologia; a redução significativa dos cargos de confiança na administração federal e a adoção de regras mais rígidas no campo da fidelidade partidária seriam, dessa perspectiva, mudanças eficazes e comparativamente fáceis de implementar.
Reformas modestas, sem dúvida, e que não substituem a necessidade de uma discussão abrangente, ao longo dos anos, sobre mecanismos fundamentais da representação política. O duplo risco de um messianismo institucional na Presidência e de um impasse deliberativo no Congresso recomenda todavia que, em torno de assunto tão complexo, não se percam as energias e o capital político que outras reformas urgentes, no campo econômico sobretudo, devem mobilizar no próximo mandato.


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