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A reforma possível
Mudanças profundas no sistema político, pouco viáveis em curto prazo, não excluem a adoção
de melhorias pontuais
COMO TANTOS outros temas, a "reforma política" encontra fácil receptividade na opinião pública e nos programas partidários -desde que seu significado
se mantenha impreciso e conjetural. O detalhamento de quaisquer propostas nessa direção
tende, contudo, a produzir rápidos focos de dissenso doutrinário, perplexidade técnica e impasse decisório.
A crise política vivida pelo país
com o escândalo do mensalão recolocou o tema na pauta dos debates. Questões diversas se entrelaçaram no transcorrer das
revelações: a fragilidade da base
partidária do governo federal, os
desmandos no financiamento
das campanhas, o esfacelamento
dos vínculos entre o eleitor e
seus representantes, a prática
desenfreada do fisiologismo e da
corrupção.
Seria irrealista julgar que por
meio de mudanças legislativas
-ainda que amplas e radicais-
se pudesse alcançar a solução para problemas que derivam, em
grande parte, do grau ainda incipiente da cultura política brasileira. Restam dúvidas, ademais,
quanto às perspectivas de sucesso de uma reforma política que
fosse capaz de responder satisfatoriamente aos níveis exasperantes de disfuncionalidade e
frouxidão do atual sistema.
A correção das disparidades na
representação das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados, a adoção do voto facultativo
e do sistema distrital misto, para
nada dizer do distante ideal do
parlamentarismo, compõem um
elenco de reformas que, embora
desejáveis, não parece capaz de
conquistar rápido consenso ou
pronta regulamentação.
Se a discussão de propostas
mais profundas deve prosseguir
nos próximos anos, é entretanto
possível cogitar, desde já, uma
série de aperfeiçoamentos pontuais, que não dependem de
emenda à Constituição e de complexos esforços de reengenharia
institucional.
Não faltam exemplos de iniciativas dessa ordem, algumas das
quais já em tramitação no Legislativo. Mecanismos de maior
transparência no financiamento
das campanhas, que contemplem o acompanhamento on-line das doações aos candidatos; a
supressão das emendas individuais ao Orçamento da União,
que se constituíram em gazuas
infalíveis da fisiologia; a redução
significativa dos cargos de confiança na administração federal e
a adoção de regras mais rígidas
no campo da fidelidade partidária seriam, dessa perspectiva,
mudanças eficazes e comparativamente fáceis de implementar.
Reformas modestas, sem dúvida, e que não substituem a necessidade de uma discussão abrangente, ao longo dos anos, sobre
mecanismos fundamentais da
representação política. O duplo
risco de um messianismo institucional na Presidência e de um
impasse deliberativo no Congresso recomenda todavia que,
em torno de assunto tão complexo, não se percam as energias e o
capital político que outras reformas urgentes, no campo econômico sobretudo, devem mobilizar no próximo mandato.
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