São Paulo, segunda-feira, 13 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Quando a paciência se esgota

CARLOS MIGUEL AIDAR


São Paulo está tendo mais paciência com a construção do Fórum Trabalhista do que Roma teve com Catilina

"Quosque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?"
"Até quando, Catilina, irás abusar de nossa paciência?" Esta célebre frase de Cícero questionava o limite de paciência dos romanos diante das incoerências do general Lucius Catilina. O mesmo questionamento devemos ter diante dos protelamentos de que são alvo a construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, que vem acarretando pesados ônus para as 18 mil pessoas, entre jurisdicionados e operadores do direito, atualmente expostas a todo tipo de problema decorrente das precárias instalações adaptadas em fóruns, enquanto as obras não são concluídas.
A Justiça do Trabalho paulista corresponde a 25% do movimento processual do Brasil. Só este dado bastaria para impacientar e para questionar as condições de penúria a que vem sendo submetida ao longo dos últimos anos, operando em edifícios insalubres e inadequados. O novo prédio do Fórum Trabalhista começou a ser construído em 1995. No entanto a obra foi paralisada, três anos depois, em decorrência das denúncias de superfaturamento e desvio de verbas, que foram amplamente documentadas e apuradas.
Depois de quatro anos paralisadas, as obras foram retomadas em setembro de 2002, a partir de novo processo de licitação, com o detalhamento dos serviços de recuperação e instalação do canteiro de obras, sendo que um processo transparente de prestação de contas foi adotado pela atual administração do Tribunal Regional do Trabalho, 2ª Região. A estimativa de conclusão, desta vez, apontava que as obras estariam concluídas em 2004. No entanto recente decisão judicial alterou a expectativa de conclusão da obra, alegando a necessidade de preservação do prédio para A realização de novas perícias.
São Paulo está tendo mais paciência com a construção do Fórum Trabalhista do que Roma teve com o general Catilina, que foi acusado de graves crimes e conspirações. Adiar a construção do prédio é protelar uma situação já crítica encontrada nos edifícios que sediam atualmente as 79 varas de primeira instância da Justiça do Trabalho. São cinco prédios precaríssimos, nos quais não se garante conforto mínimo.
Calcula-se que, dos 92 mil advogados da capital paulista, mais de dois terços militem na Justiça do Trabalho. Eles enfrentam rotineiramente as deficiências de recursos humanos, técnicos e de infra-estrutura da Justiça trabalhista. Há falta de servidores, de equipamentos, problemas de ventilação, de espaço necessário à circulação de pessoas, falta de condições mínimas de trabalho e de segurança, em razão da precariedade dos prédios. Com tantos problemas, o tempo de espera para as audiências e nas secretarias é maior do que o tolerável.
Esses fatores influem, certamente, na qualidade da Justiça. Que agilidade podemos esperar de um Judiciário que funciona diante de tantas limitações? Pior: para manter em funcionamento essa estrutura precária, a Justiça trabalhista está gastando mensalmente R$ 500 mil. De 1998 até hoje, já se consumiram em aluguéis R$ 30 milhões, sendo que o total dos recursos para a conclusão do prédio somam R$ 55 milhões -dos quais só há em caixa R$ 10 milhões.
Se a Justiça comum acredita que devam ser realizadas novas perícias, capazes de trazer novos elementos para a apuração dos fatos de corrupção ocorridos há sete anos, que elas sejam realizadas, mas sem prejudicar o andamento das obras, porque, dessa maneira, estarão sendo penalizados, na realidade, a população e os operadores do direito.
Para uma Justiça trabalhista com uma demanda de 1.100 reclamações por dia, o caminho do crescimento seria lógico, com a criação de novas varas e cargos . No entanto, diante de sua precariedade estrutural -que está além dos poderes daqueles que administram a Justiça trabalhista de São Paulo-, ela está proibida de crescer.
No atual estágio do problema, dois fatores devem ser descartados de imediato. Primeiro, a proposta de paralisação definitiva da obra. A sociedade brasileira não pode arcar com o prejuízo acarretado pela não-conclusão do prédio, uma vez que isso em nada contribuiria para coibir os desmandos administrativos e a corrupção. Segundo, reabertura da discussão em torno da descentralização das varas trabalhistas da capital. A opção pela concentração já foi feita, descartando-se a proposta da criação de fóruns trabalhistas distritais, porque poderiam perpetrar as estruturas e condições deficientes registradas atualmente nos cinco fóruns. A concentração das varas em um só fórum traz mais vantagens do que desvantagens para o jurisdicionado e para operadores do direito.
O resgate da Justiça trabalhista paulista só se dará com a conclusão do Fórum da Barra Funda, o que deve ser feito com urgência e isenção de ânimos.
Não se pode mais tolerar que, em nome do rigor processual e das limitações de verbas do Judiciário, imponha-se um prejuízo ainda maior à população, especialmente à mais carente, já que a maioria dos processos trabalhistas tem caráter alimentar. Assim como Cícero, a paciência dos operadores do direito é finda e, assim como o senador romano, esperamos que o conhecimento dos fatos traga luz ao problema e nos livre dele.

Carlos Miguel Aidar, 54, é presidente da seccional paulista da OAB.


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