São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 2006

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JOÃO SAYAD

Um quarto de século

Onde estamos e para onde vamos?
Os brasileiros responderiam aos gritos: estamos perdendo a maré da economia mundial, o Congresso paralisado, o crime ameaçando a vida, as cidades, cada vez mais feias, as praias, poluídas, e as florestas, queimadas.
Um banqueiro responderia que o pais se moderniza, vira "corporativo" e que o PT tornou-se "racional". Industriais e agricultores reclamarão do câmbio e dos juros.
Um livro americano argumenta que os Estados Unidos manterão a hegemonia por muito tempo, pois, apesar do Bush, ainda são o pais mais "querido". A Rússia deixou um rastro de ódio na Europa Oriental. A China tem mágoas com o Japão. A Índia, com a China. E, na América Latina, o Brasil não poderia ser potência, pois -surpresa!- é um país arrogante.
Parado no trânsito e olhando pelo espelho retrovisor para saber se vou ser assaltado, é difícil imaginar o Brasil como potência mundial. Ou que faça parte do grupo BRIC ( Brasil, Rússia, Índia e China) criado por um banco americano para designar os países do futuro. Quanto à arrogância, o autor deve ter nos confundido, como tantas vezes acontece, com outro país.
Para saber quem somos e para onde vamos, leiam o livro de Francisco Vidal Luna e Herbert Klein (no prelo, Cambridge University Press, "Brazil Since 1980"). Analisa a evolução do país no último quarto de século. Klein é professor em Stanford e autor de um clássico sobre a história da Bolívia. Um americano que vê o Brasil a partir dos 4.000 metros de altitude de La Paz -longe para uma análise imparcial, mas perto o suficiente para entender.
Luna é economista e historiador com carreira de pesquisa em demografia histórica. Vê o Brasil com a experiência de vários governos e de pesquisas demográficas da província de S. Paulo nos séculos 18 e 19.
O livro fala de um país que se modificou radicalmente nos últimos 25 anos. A produtividade do setor agrícola aumentou, e os antigos diagnósticos "estruturalistas" sobre a reforma agrária perderam a razão de ser. O país é agora celeiro do mundo. Bom augúrio: os Estados Unidos foram o celeiro do mundo. Mau augúrio: a Argentina foi o celeiro do mundo quando era parte da lista dos cinco países mais ricos do mundo.
Viramos um país urbano com indústria complexa e competitiva. E há 25 anos crescem as despesas sociais. O grau de analfabetismo diminuiu muito. A população cresce menos e tende à estabilização. A democracia enfim se consolidou.
Quem está certo: os brasileiros apaixonados que falam como se estivéssemos à beira do abismo? Os banqueiros que vêem o Brasil como potência do futuro? Ou a visão de um quarto de século dos historiadores?
Não é possível saber a resposta certa. Os brasileiros não estão irritados apenas porque vêem o mundo passar rápido enquanto nos arrastamos a 2,3% ao ano. Estamos irritados porque o país pode ser o que quiser. E faz tempo que ninguém propõe, funda ou cria alguma coisa que não seja para combater a inflação. Na verdade, falta-nos principalmente arrogância para pensarmos como um grande país.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net


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