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Editoriais
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Glauco
NAQUELA que viria a ser a
sua última charge política
nesta página, publicada
na terça-feira, o cartunista Glauco Vilas Boas desenhava, contra
um fundo lilás, uma grande caixa-forte. Numa tabuleta, os dizeres: "cofres públicos". Abre-se a
porta do cofre, na metade inferior da imagem, e dele saem, em
fila, os irmãos Metralha.
O leitor habituado aos padrões
de corrosividade que sempre
marcaram a caricatura política
nos jornais brasileiros não podia
deixar de notar, com um sorriso,
o que havia de singelo, de quase
infantil nos desenhos de Glauco.
Expressavam, sobretudo, uma
viva pureza de sentimentos e de
estilo -que, ao longo de mais de
três décadas de trabalho, o artista nunca perdeu.
Tanto quanto as misérias da vida política, também os aspectos
mais degradados do cotidiano
-o inferno conjugal, a solidão
afetiva, a dependência química, a
violência urbana- recebiam nas
tiras de Glauco para a Ilustrada
um tratamento ao mesmo tempo extremado e doce.
O crime, a neurose, a dependência e o desespero encarnavam-se -ou melhor, descarnavam-se- numa série de personagens antológicos, que o desenho febril depurava a um mínimo denominador comum de humanidade, para melhor captá-los na angústia e na pressa de
existir.
A notícia do brutal assassinato
de Glauco Vilas Boas, aos 53
anos, e de seu filho Raoni, aos 25,
eclode com toda aquela realidade que o artista, de um modo terno, desesperado e mágico, quis
sempre exorcizar.
Mas a realidade urbana do
Brasil de hoje -com o que traz
de crime, de demência e de absurdo- não haverá de manter-se
indefinidamente assim. Que
permaneça, apenas, a maneira
com que Glauco a retratou: com
um olhar de espanto e horror,
mas também impregnado de
graça e compaixão.
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