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RUY CASTRO
Tarde de conspiração
RIO DE JANEIRO - Do outro lado
do pátio, eu podia ver Carlos Lacerda, com um prato na mão, deslocando-se de grupinho em grupinho, de
empresários, escritores, jornalistas,
e dizendo algo que, à distância, não
era possível ouvir. Estávamos numa quinta perto de Lisboa, e o ano,
1973, vinha sendo sacudido por
uma série de sismos internos no governo de Marcelo Caetano, o homem que sucedera o ditador Salazar, morto três anos antes.
Eram abalos políticos quase imperceptíveis para nós, brasileiros
residentes em Portugal, e para 99%
dos portugueses. Mas Lacerda estava vindo a Lisboa com uma frequência suspeita, quase todo mês.
Eu sabia disso porque ele era amigo
de pessoas na revista em que eu trabalhava e ia sempre à redação. E,
quando Lacerda se mexia muito, algo estava para acontecer. Com seus
direitos políticos cassados no Brasil
pelos militares que ele ajudara a pôr
no poder, dizia-se que pensava usar
Portugal como trampolim para voltar à política.
Alguém dera um almoço em sua
homenagem na tal quinta, e lá estava eu, de xereta. O homem não sossegava ao redor do pátio. A cada parada, era aquele bzzz bzzz bzzz no
ouvido das pessoas -no mínimo,
tramava uma alta conspiração. E
começou a se aproximar do grupinho onde eu estava.
Por que estou me lembrando disso? Porque alguém me perguntou
qual político eu gostaria de biografar e respondi na lata: Carlos Lacerda. Mas avisei logo que não iria fazer isso. Acho impossível escrever
uma biografia de Lacerda em menos de cinco anos, e não pretendo
mais passar tanto tempo casado
com um biografado.
Lacerda se aproxima do meu grupo. Traz o prato na mão e os olhos
meio de louco. Oba, vem aí uma fofoca das brabas! -pensei. Chega-se
a nós e sussurra, com ar triunfante:
"Essa dobradinha está genial!".
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