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TENDÊNCIAS/DEBATES
Acerta a Justiça de Timóteo (MG) ao condenar casal que tirou filhos da escola para educá-los em casa?
NÃO
Pela liberdade de educar
LUIZ CARLOS FARIA DA SILVA
NÃO HÁ espaço suficiente aqui
para abordar os vários aspectos da decisão judicial que
condenou Cleber Andrade Nunes. É
perfeitamente possível, entretanto,
argumentar a favor dos pais.
Tomemos dois pontos presentes
nos discursos daqueles que, ao lado da
autoridade judicial, condenam os
pais: os alegados prejuízos à socialização das crianças e o laxismo fatalista
que acompanha o reconhecimento do
nível catastrófico da qualidade da instituição escolar em nosso país.
Quanto à questão da socialização,
note-se que no Brasil não há pesquisa
longitudinal, internacionalmente reconhecida, sobre os impactos dos cuidados infantis na trajetória de desenvolvimento socioemocional e cognitivo das crianças e no comportamento
juvenil. Enquanto isso, evidências
oriundas de pesquisas longitudinais,
cujos resultados são publicados em
revistas líderes mundiais em fator de
impacto no campo, negam suporte às
teses defendidas pela maioria dos experts brasileiros nesse tema.
Por outro lado, em países como
França, Inglaterra e EUA, em que essa modalidade de educação não é interditada, ainda que seja regulada,
não consta que haja epidemia de sociopatia entre as crianças cujos pais a
praticam. Nos EUA, por exemplo, o
Departamento de Educação diz que
1.508.000 crianças e adolescentes estudavam sob alguma modalidade de
educação domiciliar em 2007.
Os que querem anular o direito dos
pais de escolher o tipo de educação
dada aos filhos negligenciam o fato de
que a experiência escolar é hoje, muita vezes, ocasião de sofrimento, pois
escolas e educadores são cada vez
mais despojados dos instrumentos de
mediação e controle dos conflitos. Ou
de contenção de ações antissociais.
Eles se preocupam com a proteção
dos "direitos da criança" contra o autoritarismo e a unilateralidade da visão de mundo dos pais. Mas as crianças precisam de mais proteção contra
o grupo de iguais do que contra os
pais, lembra Hannah Arendt.
O autoritarismo do grupo de iguais
é muito mais cruel, implacável e devastador por um ser em processo de
formação de personalidade. Hoje, na
escola, crianças que não se enquadram no padrão médio são impiedosamente desdenhadas pelo grupo. E
são cada vez mais numerosos os casos
em que do desdém, e mesmo da troça,
passa-se à agressão física.
Quanto à qualidade da instrução, a
tolerância nacional diante do fracasso
escolar tem crescido. Dados do MEC
mostram que a probabilidade de uma
criança brasileira encerrar os anos
iniciais do ensino fundamental com
desempenho em língua portuguesa e
matemática abaixo do mínimo esperado é altíssima.
A lassidão ante o baixo padrão não
se limita à instrução. Há o aspecto da
formação. Nem aos leigos escapa a
percepção da crise da autoridade na
escola. Qualquer pessoa que encare o
problema de perspectiva real e prática, despida dos cacoetes emancipacionistas impostos pelas abordagens
teóricas hegemônicas no pensamento pedagógico dos últimos 30 anos,
sabe das dificuldades para o exercício
de atividade educativa nas escolas.
Professores são reféns de caprichos
infanto-juvenis incontroláveis.
A pedagogia "mainstream" ergueu
um altar à espontaneidade criadora
das crianças e jovens. As famílias entregaram-nas a babás, a creches ou ao
trio DVD, videogame, computador.
Quando tudo sai de controle, apela-se
a saídas extremas: decreta-se toque
de recolher para adolescentes, como
se fez recentemente em cidades do
interior paulista.
Nessas condições, qual a capacidade instrucional e formativa da educação escolar?
Não postulo a desescolarização.
Afirmo, porém, em alto e bom som: os
pais têm direito a escolher a educação
que seus filhos receberão. A família
Andrade Nunes foi apenada por não
permanecer prostrada ante os prejuízos instrucionais e morais que a educação escolar poderia impor a seus filhos. Assumiu riscos. Agiu. E os resultados mostram que foi bem-sucedida.
Merece apoio. Não recriminação.
LUIZ CARLOS FARIA DA SILVA, 53, mestre em educação
pela PUC-SP e doutor em educação pela Unicamp, é professor adjunto do Departamento de Fundamentos da Educação na Universidade Estadual de Maringá (PR) e educa
seus dois filhos em casa desde 2006.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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