São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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O acordo de redução do IPI dos carros contribui para evitar demissões?

NÃO
Preservar quais empregos?

ENILSON SIMÕES DE MOURA

A imprensa tem noticiado, mesmo sem grande destaque, dados que reforçam minha posição contrária à redução de impostos para a indústria automobilística. A própria Receita Federal calcula em R$ 792 milhões a perda anual que a União terá por conta da redução do IPI. Esse dinheiro seria suficiente para que mais de 500 mil desempregados recebessem um salário mínimo durante 12 meses. Número que, segundo dados da pesquisa Seade/Dieese, corresponde a um terço de todos os desempregados da área metropolitana de São Paulo.
Esses cálculos não incluem o que será perdido com a redução de ICMS, imposto estadual. Alega-se que a redução de impostos será compensada pelo aumento nas vendas, o que, por consequência, manterá os empregos dos trabalhadores. Puro engano.
Para começar, o acordo com as montadoras, que reduz o IPI, prevê garantia de emprego por apenas 90 dias. A redução de IPI já foi posta em prática no ano passado, numa época em que a economia não atravessava a crise que ora enfrentamos. O desemprego cresceu, e a arrecadação caiu 47%...
O fato principal é escamoteado. Hoje, produzem-se muito mais carros com o mesmo número de operários. A modernização das linhas de produção decretou o fim de inúmeras profissões na indústria, principalmente no setor automotivo. Em 1959, a proporção de veículos fabricados por trabalhador era de 3,2. Ela foi aumentando: em 1974, saltou para 8,7; em 1997, chegou a 19,5. Isso mesmo: quase 20 carros fabricados por trabalhador! E a indústria, mascarando um dado que é evidente, condiciona a manutenção de empregos à redução de impostos. Que empregos?
Vários setores da economia sofrem com impostos absurdos. Nem por isso contam com a mesma benevolência das autoridades. Pelo que sei, o povo ainda não come carros. Essa falta de hierarquia nas prioridades oficiais contrasta com a sanha do governo em partir para cima de setores com menor poder de mobilização e, portanto, com menor visibilidade na mídia. Refiro-me aos aposentados, às mulheres trabalhadoras gestantes e ao funcionalismo público (que não vê a cor de reajustes salariais há cinco anos).
Fatos como a redução de impostos para montadoras, sob a esfarrapada desculpa de que é preciso garantir o emprego de metalúrgicos, revelam a absoluta (e absurda) falta de política para o trabalho e o emprego no Brasil.
Trabalho, no mundo de hoje, não conhece geografia. As relações trabalhistas, antes perenes e objetivas, hoje se mostram em constante processo de mutação, rápidas e dinâmicas. Já vai longe o tempo em que um trabalhador iniciava e concluía sua carreira sob o teto de uma mesma empresa, assim como já ficou na história a relação quase automática entre diploma e emprego.
Hoje, a constante necessidade de especialização, ao mesmo tempo em que exige do trabalhador um conhecimento cada vez mais generalista, impõe mecanismos novos e revolucionários às relações trabalhistas.
Vivemos hoje a terceira Revolução Industrial. A remodelação tecnológica e administrativa das empresas exige um novo perfil de trabalhador e põe a descoberto as falhas graves de um país que veio, ao longo das últimas décadas, descuidando da educação básica de suas crianças e seus cidadãos. As exigências para o trabalho mudaram rapidamente, mas o trabalhador ainda é o mesmo de décadas atrás...
A Social Democracia Sindical postula uma política de trabalho voltada para o cidadão. Uma política que o transforme num verdadeiro empreendedor, em vez de um empregado descartável.
Enilson Simões de Moura (Alemão), 38, metalúrgico, é presidente da central SDS (Social Democracia Sindical).


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