São Paulo, terça-feira, 13 de abril de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O pão e o diabo

RIO DE JANEIRO - Ainda bem. Temos um presidente que, além de metalúrgico, é metafísico. Sempre que está apertado, apela para Deus e, na semana passada, apelou para o Diabo, admitindo que o povo brasileiro, em 2003, comeu o pão que o diabo amassou.
Não temos nada contra as crenças presidenciais, que são as minhas, por sinal, embora acredite mais no Diabo do que em Deus. Mas não deixa de ser cômodo para qualquer um esperar a ajuda de Deus para os problemas pessoais e atribuir ao Diabo as coisas que não estão dando certo
Desde que Lúcifer foi precipitado nas profundas do inferno, e o mundo ainda nem fora criado, tudo de ruim que acontece é creditado à sua peçonha, desde a tentação de Adão e Eva no paraíso terrestre até o 1% do Waldomiro no Palácio do Planalto.
Nessa briga de Deus com o Diabo, que atravessa milênios, onde ficamos nós, os homens de boa ou de má vontade? Que Lula tem boa vontade é evidente. Má vontade têm os que lamentam ou criticam as inúmeras coisas que não funcionaram, como o Fome Zero e a prometida criação de não sei quantos milhões de empregos. Estamos em abril, mês que T.S. Eliot considerou cruel -e cito o poeta pela segunda vez no espaço de uma semana. Abril representa um terço do ano. Até agora, o governo liberou menos de 3% dos créditos orçamentários para fazer o país rolar vegetativamente, uma vez que não há nenhum plano de metas colossais como as dos tempos de JK. O espetáculo que Lula vem prometendo se resume ao trivial variado, ao forno e fogão de uma cozinha administrativa.
Em compensação, além de Deus e do Diabo, que brigam há séculos pela posse da alma humana, há o FMI, que nada tem de metafísico. Discute-se de que lado ele está, mas sabemos que o FMI nunca ficou tão satisfeito com o Brasil. Afinal, quem está amassando o pão nosso de cada dia?


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