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O novo Código Florestal a ser votado pelo Congresso fará aumentar o desmatamento?
SIM
Omissão insustentável
MARINA SILVA
O Código Florestal brasileiro tem
sido objeto de uma falsa polêmica.
De um lado estariam ecologistas e a área
ambiental do governo -o Ministério
do Meio Ambiente-, defendendo a integridade das florestas. De outro estariam os ruralistas, defendendo o direito
de acesso a novas terras para produzir e
assim impulsionar o desenvolvimento
nacional.
Vamos à verdadeira questão. Em primeiro lugar, as correntes ambientalistas
majoritárias hoje, que estão envolvidas
na negociação sobre mudanças no Código Florestal, já não falam, há algum
tempo, em proteção ambiental como o
cerne de seus objetivos.
O que está em foco é um modelo de
desenvolvimento diferente do atual. Organizações não-governamentais, parlamentares, governos, produtores e pesquisadores trabalham nos diversos
campos em favor de experiências que
demonstram a viabilidade de gerar atividade produtiva sem provocar desequilíbrio ecológico.
É ignorância ou má-fé continuar afirmando que se quer manter a Amazônia
intocada. O que se vê, na verdade, são
setores tradicionais insistindo em manter-se à margem de mudanças inadiáveis no atual modelo em busca de mais
justiça social e racionalidade ambiental.
A eficiência econômica deve ser entendida não como a realização primária
do lucro, mas como o atendimento às
necessidades essenciais da população,
integrando tecnologias limpas, qualidade de vida coletiva e integridade de processos ecológicos que conservam recursos essenciais, como água e solos férteis,
inclusive para atividades agrícolas, a
longo prazo.
Quando se diz que o Brasil precisa de
mais terras para produzir, está-se procurando o caminho mais rápido e fácil,
mas que implica uma prática econômica de gafanhotos, ou seja, devastar e
avançar, sem que isso resulte em condições de vida mais dignas. Ao contrário,
o Índice de Desenvolvimento Humano
das Nações Unidas indica claramente
que os Estados da Amazônia mais afetados pela expansão da fronteira agrícola
apresentam padrão de vida médio inferior a Estados mais afastados, com menores taxas de desmatamento.
Assim, por que não recuperar terras já
desmatadas ou mudar processos e usos
para aproveitar melhor o que já está disponível para a exploração econômica?
A proposta de mudanças no código,
de autoria do deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), aprovada na Comissão Mista do Congresso, representa sim
um grave prejuízo ao país. Espera-se
que o plenário do Congresso tenha responsabilidade para rejeitá-la, em favor
do texto do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
Aquela proposta aumenta, no atacado
e no varejo, as possibilidades de desmatamento da Amazônia e da mata atlântica, que já entregou 93% de sua formação original para o "desenvolvimento".
Será que, com uma devastação tão expressiva, teremos na faixa coberta por
ela uma situação de bem-estar social,
alimentos para todos e pleno emprego
na agricultura? Não.
O ponto central de toda essa polêmica, porém, não está na queda-de-braço
entre ruralistas e ambientalistas -que,
hoje, diga-se de passagem, já está muito
ampliada diante da reação indignada de
muitos setores da população. O ponto
central é o sujeito oculto, é a omissão e
ambiguidade do governo federal, que
vai escorregando pelo assunto ao sabor
da conjuntura. Na votação da comissão,
estava presente o Ministério do Meio
Ambiente, mas a parte que decide não
estava -a Casa Civil, a Presidência da
República etc.
Agora o governo, passada a votação
do salário mínimo, fala em vetar o texto,
caso saia aprovado pelo Congresso. Mas
até onde contar com a coerência do governo? Quando os fundamentos de um
modelo de desenvolvimento sustentável serão assumidos pelo atual governo?
Vamos esperar, torcer e lutar para que
o sujeito oculto saia de vez do fundo do
palco e venha para cena aberta, assumir
o seu papel.
Marina Silva, 41, historiadora, é senadora pelo
PT do Acre. E-mail: marinasi@senado.gov.br
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