São Paulo, sábado, 13 de maio de 2000


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O novo Código Florestal a ser votado pelo Congresso fará aumentar o desmatamento?

SIM
Omissão insustentável

MARINA SILVA

O Código Florestal brasileiro tem sido objeto de uma falsa polêmica. De um lado estariam ecologistas e a área ambiental do governo -o Ministério do Meio Ambiente-, defendendo a integridade das florestas. De outro estariam os ruralistas, defendendo o direito de acesso a novas terras para produzir e assim impulsionar o desenvolvimento nacional.
Vamos à verdadeira questão. Em primeiro lugar, as correntes ambientalistas majoritárias hoje, que estão envolvidas na negociação sobre mudanças no Código Florestal, já não falam, há algum tempo, em proteção ambiental como o cerne de seus objetivos.
O que está em foco é um modelo de desenvolvimento diferente do atual. Organizações não-governamentais, parlamentares, governos, produtores e pesquisadores trabalham nos diversos campos em favor de experiências que demonstram a viabilidade de gerar atividade produtiva sem provocar desequilíbrio ecológico.
É ignorância ou má-fé continuar afirmando que se quer manter a Amazônia intocada. O que se vê, na verdade, são setores tradicionais insistindo em manter-se à margem de mudanças inadiáveis no atual modelo em busca de mais justiça social e racionalidade ambiental.
A eficiência econômica deve ser entendida não como a realização primária do lucro, mas como o atendimento às necessidades essenciais da população, integrando tecnologias limpas, qualidade de vida coletiva e integridade de processos ecológicos que conservam recursos essenciais, como água e solos férteis, inclusive para atividades agrícolas, a longo prazo.
Quando se diz que o Brasil precisa de mais terras para produzir, está-se procurando o caminho mais rápido e fácil, mas que implica uma prática econômica de gafanhotos, ou seja, devastar e avançar, sem que isso resulte em condições de vida mais dignas. Ao contrário, o Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas indica claramente que os Estados da Amazônia mais afetados pela expansão da fronteira agrícola apresentam padrão de vida médio inferior a Estados mais afastados, com menores taxas de desmatamento.
Assim, por que não recuperar terras já desmatadas ou mudar processos e usos para aproveitar melhor o que já está disponível para a exploração econômica?
A proposta de mudanças no código, de autoria do deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), aprovada na Comissão Mista do Congresso, representa sim um grave prejuízo ao país. Espera-se que o plenário do Congresso tenha responsabilidade para rejeitá-la, em favor do texto do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
Aquela proposta aumenta, no atacado e no varejo, as possibilidades de desmatamento da Amazônia e da mata atlântica, que já entregou 93% de sua formação original para o "desenvolvimento". Será que, com uma devastação tão expressiva, teremos na faixa coberta por ela uma situação de bem-estar social, alimentos para todos e pleno emprego na agricultura? Não.
O ponto central de toda essa polêmica, porém, não está na queda-de-braço entre ruralistas e ambientalistas -que, hoje, diga-se de passagem, já está muito ampliada diante da reação indignada de muitos setores da população. O ponto central é o sujeito oculto, é a omissão e ambiguidade do governo federal, que vai escorregando pelo assunto ao sabor da conjuntura. Na votação da comissão, estava presente o Ministério do Meio Ambiente, mas a parte que decide não estava -a Casa Civil, a Presidência da República etc.
Agora o governo, passada a votação do salário mínimo, fala em vetar o texto, caso saia aprovado pelo Congresso. Mas até onde contar com a coerência do governo? Quando os fundamentos de um modelo de desenvolvimento sustentável serão assumidos pelo atual governo?
Vamos esperar, torcer e lutar para que o sujeito oculto saia de vez do fundo do palco e venha para cena aberta, assumir o seu papel.


Marina Silva, 41, historiadora, é senadora pelo PT do Acre. E-mail: marinasi@senado.gov.br



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