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Mal-estar na Cultura
Para conter o fogo amigo do PT, Ana de Hollanda precisa explicitar seus projetos, a começar pelo imbróglio em torno dos direitos autorais
A presidente Dilma Rousseff
julgou necessário sair pessoalmente em socorro da fragilizada
ministra da Cultura, Ana de Hollanda, aconselhando-a a "ficar
firme". O secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, chegou
a dizer que "vai quebrar a cara"
quem tentar desestabilizá-la.
A contraofensiva do Planalto,
dirigida como ameaça a setores do
próprio PT responsáveis pela fritura da ministra, foi uma tentativa
de responder ao constrangimento
da véspera, em São Paulo.
Depois de ouvir uma série de
críticas à sua atuação num encontro com artistas e produtores de
cultura, Ana de Hollanda deixou a
Assembleia Legislativa paulista
cercada por agentes, evitando jornalistas. Saiu como se fosse personagem de enredo policial, ora tapando o rosto, ora agarrando-se
ao braço de um assessor.
É difícil ignorar as evidências de
que a ministra se mostrou até agora incapaz de explicitar sua agenda e de controlar os incêndios à
sua volta. Insistir na vitimização,
como tem feito, não ajuda muito.
Tampouco se desconhece que o
coro por sua queda tem origem em
lobbies corporativos frustrados,
em parte pelo corte orçamentário
que atingiu a pasta, em parte pela
mudança de atitude em relação à
reforma da lei de direitos autorais.
Cerca de R$ 530 milhões, num
orçamento de R$ 1,86 bilhão para
2011, foram contingenciados.
O nó, porém, está nos direitos
autorais. Juca Ferreira, o antecessor, enviou projeto de lei em dezembro de 2010 à Casa Civil, depois de debater a reforma em várias reuniões e submetê-la a consulta pública. A ministra anunciou que vai rever o projeto, considerado muito intervencionista,
antes de enviá-lo ao Congresso.
Sua atitude foi confundida com
defesa de uma legislação obsoleta
(criada em 1973, reformulada em
1998), que não dá solução aos problemas surgidos com a difusão da
cultura por meios digitais. Ao pé
da letra, a lei criminaliza o usuário
que baixa músicas ou vídeos para
uso pessoal, por exemplo.
Não é tarefa simples compatibilizar o acesso à cultura com a remuneração de criadores e empresários culturais. Preservar o direito autoral, inclusive no ambiente
digital, sem transformar milhões
de jovens em criminosos, mas desenvolvendo mecanismos criativos de remuneração de autores na
internet -tal é o desafio vocalizado por um grupo de músicos, artistas e produtores culturais que
assina o manifesto "Terceira Via
para o Direito Autoral". Trata-se
de um esforço de superar o impasse entre o lobby da cultura digital
e o regime atual.
O documento propõe que o
Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), órgão que
goza hoje de péssima reputação
entre artistas, seja submetido a
um choque de transparência e eficiência, com a criação de uma
agência autônoma para regular e
fiscalizar suas atividades.
Eis aí um caminho a ser trilhado. Ana de Hollanda ainda precisa
demonstrar força e capacidade
para liderar esse processo.
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