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RUY CASTRO
A sétima corda
RIO DE JANEIRO - Quando algo
do dia a dia me intriga ou perturba,
e faltam-me as palavras para definir
tal incômodo, não vacilo: apelo para
os mestres. Eles podem estar nos livros, nos discos ou nas rodas vadias.
Não por acaso, Nei Lopes frequenta
todos esses veículos. Neste momento, seu novo CD, "Chutando o
Balde", é que me tem valido.
Como Nei, acho ridículo que as
pessoas usem o boné com a pala para trás. Coisa de americano débil,
claro, mas por que a moda tinha de
pegar aqui? Agora já sei. Em "Pala
pra Trás", ele esclarece: "A pala é a
maior proteção/ Pros olhos e a visão/ Quando a luz é demais/ A não
ser que a sensibilidade / Em Vossa
Majestade/ Venha de trás".
Também como Nei, sou dos que
se envergonham de ver certos brasileiros -"fake/ tudo fashion, tudo
teen"- comemorando o Halloween. Mas só ele imaginou uma cena em que pseudo-darks e góticos,
brincando de chamar coisa ruim
num apê de cobertura, invocam justamente quem não queriam -de
repente, "a cigana/ rodou a baiana/
riscou fogo no estopim/ Pombajira
baixou no Halloween".
E, sempre como Nei, não me conformo ao ver a música popular
atrair palavras ingênuas para fora
do dicionário e corrompê-las com
inglórios novos sentidos. Ele corrige: "No meu dicionário, roqueiro é
aquilo/ Que fica lá em cima da rocha/ E fanqueiro é o cara/ Que vende tecido/ De linho e algodão/ Pra
mim, sertanejo/ É, antes de tudo,
um forte/ E axé é força e boa sorte/
No meu dicionário/ Galera é apenas uma embarcação".
Em outro grande samba do disco,
Nei resume tudo ao falar dos oportunistas pouco à vontade dentro do
terno de linho e do pisante branquinho, que batem o pandeiro "com
mais ódio que amor" e, como só são
sambistas porque essa agora é a onda, podem acabar se enforcando na
sétima corda.
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