São Paulo, domingo, 13 de junho de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ficha Limpa é vitória exemplar

ALEJANDRO SALAS


O processo de mobilização que resultou na lei deve ser referência para a relação entre Estado e sociedade na luta contra a corrupção


A sanção do projeto Ficha Limpa é um marco na luta da sociedade brasileira contra a corrupção. Porém, sua importância vai além dos benefícios que trará diretamente -e já no curto prazo- para o sistema político brasileiro.
O processo de mobilização da sociedade civil que resultou na iniciativa do projeto de lei, sua subsequente aprovação e sanção serve como referência para a relação entre Estado e sociedade na luta global contra a corrupção.
De um lado, as organizações sociais que lideraram a elaboração do projeto e a coleta de assinaturas exerceram um papel crucial na conformação e vocalização do interesse público. Através da criação e ampliação de espaços de debate, tais organizações canalizaram a indignação coletiva diante da corrupção política para avançar com transformações estruturais.
Igualmente importante, embora menos evidente, é o papel que exercem essas organizações na criação de identidades, ampliando as condições para a transformação de indivíduos indignados em agentes da mudança social, isto é, cidadãos.
Do outro lado, as instituições estatais, acolhendo o projeto de origem popular e respondendo com sua tramitação e aprovação, confirmam o processo de amadurecimento da democracia brasileira. O instrumento de iniciativa popular de lei, criado pela Constituição de 1988, revela-se como recurso eficaz, e a participação política da sociedade afirma-se, cada vez mais, como traço característico e duradouro do modelo democrático brasileiro.
Por sua vez, a atuação responsiva da classe política (partidos, parlamentares e presidente da República) corrobora a possibilidade de esse modelo favorecer o interesse público mesmo quando confrontando o interesse privado do legislador -contanto que a sociedade civil também exerça seu papel, incitando o funcionamento adequado das instituições representativas.
Em um continente marcado por um histórico de governos pouco sensíveis ao interesse público e por atores sociais tradicionalmente orientados pela polarização extremada ao Estado, essa vitória conjunta da sociedade e das instituições estatais no Brasil torna-se ainda mais extraordinária e exemplar.
Contudo, uma pesquisa recente do Instituto Sensus revelou que apenas 8% dos brasileiros consideram que a corrupção esteja diminuindo no país.
Portanto, para o cidadão brasileiro, cético quanto à possibilidade de mudança, talvez a importância mais imediata da nova lei seja trazer-lhe esperança de que a sociedade esteja se tornando mais justa.
Resta ainda que a nova lei passe pelo teste de sua aplicação efetiva para que, aí sim, possamos celebrá-la como um instrumento de combate à corrupção política.
A julgar pelos efeitos de outra vitória popular, a lei nº 9.840, sobre compra de votos, há motivos para esperar resultados concretos do novo ordenamento. Além disso, as transformações necessárias para vencer a corrupção no sistema político deverão ser ainda muito mais profundas e abrangentes.
Mas há, novamente, motivos para esperança, pois a sociedade brasileira já está comprometida com a discussão de uma ampla reforma política e, conhecedora de seu papel, pressionará para que suas instituições representativas acolham esse debate e processem as transformações necessárias.
A Transparência Internacional reforça o apoio na luta do país contra a corrupção e parabeniza o povo brasileiro pela sua importante conquista com o projeto Ficha Limpa.


ALEJANDRO SALAS, mexicano, cientista político, mestre em políticas públicas pelo Institute of Social Studies em Haia (Holanda), é diretor do departamento regional das Américas da Transparência Internacional.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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