São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Editoriais

editoriais@uol.com.br

Mais desigualdade

A diferença entre ricos e pobres, que diminuiu sensivelmente nas sociedades desenvolvidas durante a maior parte do século 20, dá sinais de recrudescimento em países como EUA e Inglaterra.
Com algum senso melodramático, pesquisa encomendada pelo governo britânico projeta para as próximas décadas níveis de desigualdade social equivalentes aos do período vitoriano (1837-1901).
Não é plausível imaginar um retorno às cenas dilacerantes dos romances de Charles Dickens (1812-70), que, como poucos, chamou a atenção para os extremos de miséria no apogeu do Império Britânico. O padrão de vida geral elevou-se de modo inimaginável, se comparado ao que vigia no século 19.
Mesmo assim, aparece como um retrocesso o agravamento das diferenças entre ricos e pobres, em países onde tudo parecia encaminhar-se, não para um nivelamento irrealista, mas a padrões razoáveis de diferenciação baseados em mérito e esforço pessoal.
Segundo a pesquisa, a parcela do 0,1% mais bem pago recebia, em 1979, 1,3% dos salários totais do Reino Unido. Hoje, essa mesma faixa da população recebe 5%; passará a 14% em 2030, se for mantida a tendência atual.
Nada que se compare, por certo, ao caso brasileiro. Aqui, o índice de Gini de concentração de renda situa-se em 0,53 (o máximo de desigualdade seria expresso na cifra de 1,0). O Reino Unido conta com um índice em torno de 0,35.
De todo modo, fortaleceu-se nas últimas décadas a opinião de que a concentração de renda estimula a criatividade e o esforço individual, com benefícios para toda a sociedade. Inversamente, políticas de distribuição de renda teriam como consequência ociosidade e estagnação.
Ocorre que o distanciamento crescente entre ricos e pobres também pode revelar-se disfuncional. Em "O Mal Ronda a Terra", livro recém-publicado no Brasil, o historiador Tony Judt aponta, por exemplo, a correlação entre desigualdade e fenômenos como criminalidade e doença mental.
O autor também mostra que, nos países desenvolvidos mais desiguais (como Reino Unido e EUA), também são menores os índices de mobilidade social. Filhos de famílias pobres têm mais dificuldade de melhorar de vida.
Diferenças de renda muito acentuadas tendem, portanto, a aumentar, e não a diminuir, o conformismo, a semiociosidade e a falta de iniciativa. O desajuste, as drogas e a delinquência são formas visíveis de uma miséria que não se compara à dos tempos de Charles Dickens -mas é miséria mesmo assim.


Texto Anterior: Editoriais: Satiagraha anulada
Próximo Texto: São Paulo - Fernando De Barros E Silva: Com açúcar, com afeto
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.