São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Desinformação e deformação

ADIB D. JATENE


A afirmativa de que o novo prédio do InCor foi feito para atender apenas pacientes de convênio e particulares é uma deformação inaceitável


No artigo "Hospital das Clínicas, outro lado da moeda", publicado nesta página no dia 6 de junho, existem afirmativas e conceitos, a meu ver, equivocados, que caracterizam desinformação que deforma o entendimento. Em nenhum lugar na legislação federal brasileira está escrito que o atendimento do SUS deve ser gratuito.
Ao contrário, no parágrafo 2º do art. 2º da lei nº 8.080, de 18 de setembro de 1990, está especificado: "O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade".
Quando alguém, segurado em plano de saúde ou paciente privado, é atendido em hospital público e paga valores equivalentes aos que pagaria na rede privada, é desinformação dizer que os equipamentos e as instalações públicas estão a serviço do privado.
Dizer que "a Fundação Zerbini resolveu aumentar sua capacidade, para atender clientes privados e de convênios, levantou volumoso empréstimo com o BNDES, construiu o InCor 2, belíssimo prédio, destinado só para esse tipo de atendimento, não conseguiu pagar as contas e a dívida foi assumida pelo governo do Estado, obedecendo àquela velha fórmula de individualização do lucro e socialização do prejuízo" chega às raias do inacreditável.
Pessoas com a responsabilidade dos autores não podem fazer afirmativas que afrontem a realidade dos fatos. O prédio construído pela Fundação Zerbini não é dela, mas, sim, do Estado.
A participação da Fundação, buscando empréstimo com o BNDES, foi sugerida pelo então governador Mário Covas, que estava comprometido em terminar duas dezenas de hospitais com obras paralisadas havia vários anos e que, por isso, sugeriu que a Fundação construísse o prédio, que seria ,como é efetivamente, patrimônio do Estado.
Quando do início do vencimento das parcelas, encontrar-se-ia uma forma de o Estado ajudar, já que recebia prédio de 15 andares sem gastar nada, deixando todo o ônus com a Fundação, que prestava, assim, enorme benefício ao Estado.
Infelizmente, o governador Covas faleceu e, como me disse o governador Lembo, não deixou testamento. Por isso, o equacionamento da dívida só foi feito quando o governador José Serra assumiu, ainda assim se responsabilizando pela metade do empréstimo, sendo que o restante vem sendo pago em dia pela Fundação.
As dificuldades financeiras da Fundação Zerbini, de apoio ao InCor, não foram consequência do prédio, mas principalmente da decisão de fazer o prédio funcionar com a contratação de 1.500 funcionários e demais despesas feitas não pelo Estado, como seria o adequado, mas pela própria Fundação.
A afirmativa de que o novo prédio foi feito para atender pacientes de convênio e particulares é inaceitável. Aproximadamente 10% do prédio se destina a atender doentes de convênio e particulares, sendo que três andares são utilizados para os mais avançados laboratórios de pesquisa do país.
Outros três andares são para garagens, e os demais incorporam terapia intensiva, unidade coronária e demais instalações, na maioria para clientes do SUS.
Sempre que leio um artigo como o publicado na Folha me pergunto se os autores defendem o SUS ou, na verdade, os hospitais privados.
É como se dissessem: clientela que paga melhor e viabiliza financeiramente os hospitais deve ser exclusiva de hospitais privados, e os hospitais públicos que se virem com o que o SUS paga, sabidamente insuficiente.
Como os signatários do artigo não se incluem nessa categoria, é incompreensível que expressem tamanha desinformação, deformando de maneira grosseira os fatos.

ADIB D. JATENE, cardiologista, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e diretor-geral do Hospital do Coração. Foi ministro da Saúde (governos Collor e FHC), secretário da Saúde do Estado de São Paulo (gov. Maluf) e diretor do InCor.

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